A lacuna entre homens e mulheres no mercado de trabalho vinha diminuindo. A pandemia pode ter desperdiçado anos de avanços
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a pandemia tenha deixado 13 milhões de mulheres sem emprego só na América Latina. Incluindo as mulheres que já não conseguiam emprego antes da pandemia, a desocupação chega a 25 milhões. A taxa de participação da mão-de-obra feminina também chegou a seu menor patamar em 15 anos.
No mundo, o cenário se repete. A perda de emprego das mulheres na pandemia foi de 5%, ante 3,9% de homens, segundo dados divulgados pela organização no Dia Internacional da Mulher nesta segunda-feira, 8 de março. Ao todo, 64 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho.
Economistas já caracterizam a crise da covid-19 como a “primeira recessão feminina” da humanidade. Não que as crises anteriores não tenham afetado as mulheres. Mas, dessa vez, a característica da crise gerada pela pandemia afetou as trabalhadoras de forma desproporcional.
Em inglês, os estudiosos cunharam o termo she-cession (um jogo de palavras com o termo recession, ou recessão, e she, ela).
Guy Ryder, diretor da Organização Internacional do Trabalho, disse nesta segunda-feira que é preciso “vontade política” e que os governos devem “investir nas mulheres” como parte da recuperação econômica.
Na recessão de 2008 e 2009, por exemplo, os homens representaram três quartos das perdas de postos de trabalho nos Estados Unidos. Desta vez, a participação das mulheres americanas no mercado de trabalho caiu a níveis similares a 1987, segundo o Departamento do Censo dos Estados Unidos, similar ao IBGE brasileiro.
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A dinâmica da pandemia desfavoreceu as trabalhadoras mulheres. No geral, mulheres desempenham funções de menor remuneração, menor qualificação e mais baixas na hierarquia. Foram cargos e setores que sofreram de forma sem precedentes na pandemia. Um dos principais exemplos é o setor de serviços, que inclui alimentação, turismo e beleza. Segundo a OIT, a desocupação feminina foi especialmente alta em hotelaria (quase 18%) e comércio (12%).
São setores com ampla presença de mulheres, mas que também, por suas peculiaridades – muitos não podendo funcionar de forma retoma, por exemplo -, foram mais afetados pelo coronavírus.
O baque aconteceu mesmo as mulheres desempenhando a maioria das funções tidas como essenciais na pandemia. É o chamado setor do “cuidado”, como os trabalhadores da saúde ou de cuidados com idosos.
No Brasil, o setor de serviços, que responde por dois terços dos empregos no Brasil, teve queda de 7,8% na atividade em 2020, de acordo com o IBGE, mesmo com alguma recuperação no segundo semestre. Em contrapartida, a indústria caiu menos, 4,5%, e o varejo, puxado pelo auxílio emergencial, teve alta de 1,2% no ano.
Nesse cenário, das pessoas que deixaram a força de trabalho no Brasil entre julho e setembro do ano passado, 62% eram mulheres, segundo os dados do terceiro trimestre do IBGE, os últimos disponíveis. Das 11,2 milhões de pessoas desse grupo, 7 milhões eram mulheres, uma fatia muito maior que a de homens.
O trabalho “invisível”
Segundo os primeiros estudos, o impacto na perda de trabalho atingiu sobretudo as mulheres que são mães. A OIT aponta ainda que muitas mulheres não conseguiriam conciliar as demandas do trabalho e dos cuidados com a casa, que ainda incidem desproporcionalmente na população feminina.
Muito do trabalho realizado pelas mulheres não é remunerado, o que já ocorria antes do coronavírus. A pesquisa do IBGE sobre “Outras Formas de Trabalho” em 2019, divulgada em julho do ano passado, apontou que a mulher realiza uma grande fatia dos trabalhos não remunerados no Brasil, enquanto a produção para consumo próprio é atividade mais masculina.
É o que o estudo chama de “trabalho invisível”. As mulheres se dedicavam, antes da pandemia, a cerca de 20 horas semanais a esse tipo de atividade, como cuidar da casa e dos filhos.
Em 2019, 92% das mulheres realizaram serviços domésticos, ante quase 79% dos homens, segundo o IBGE. A maior diferença na realização de afazeres domésticos entre homens e mulheres foi nas regiões Nordeste e Norte. A região Sul apresentou o maior percentual de homens no serviço doméstico (84%). A realização de afazeres domésticos é maior por parte de homens mais jovens e com ensino superior completo.
Isso acontece mesmo com as mulheres tendo mais anos de estudo do que os homens no Brasil, em média. Devido às posições menores na hierarquia, à ocupação em setores menos valorizados e à maior participação no trabalho não remunerado, além de outros tipos de discriminação, as mulheres ainda ganham no Brasil cerca de 20% a menos do que os homens, segundo números do IBGE anteriores à pandemia.
A lacuna, ainda que grande, vinha diminuindo. A preocupação é que a pandemia possa ter jogado no lixo décadas de avanço.