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quinta-feira, 19/06/2025




Gastos sob Lula 3 sobem quase o dobro da receita

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Em Brasília

FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Durante o terceiro mandato do presidente Lula, os gastos federais têm crescido quase duas vezes mais rápido do que a receita, que por sua vez também apresenta um crescimento significativo.

Essa tendência deve continuar em 2026, o que poderá causar um colapso no funcionamento da administração pública a partir de 2027, conforme projeções oficiais.

O chamado “shutdown” ocorre quando não há recursos suficientes para despesas essenciais.

Na atual gestão, a equipe econômica registrou um aumento da receita líquida (excluídas transferências para estados e municípios e outras) superior à inflação, atingindo R$ 191,3 bilhões, com previsão de receita para este ano de R$ 2,3183 trilhões.

Entretanto, as despesas cresceram R$ 344 bilhões no mesmo período, chegando a R$ 2,4154 trilhões, segundo dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do Tesouro Nacional.

Com gastos crescendo acima da receita, o governo pode fechar 2025 com déficit primário – que não inclui os juros da dívida – equivalente a 0,77% do PIB, considerando o pagamento de precatórios. Isso deve levar a um aumento da dívida pública, principal indicador da saúde financeira do país. Projeções da IFI indicam que a dívida pública crescerá cerca de 12 pontos percentuais em quatro anos sob o governo Lula.

A fim de conter essa trajetória, a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) tenta aumentar ainda mais as receitas. Inicialmente, buscou aumentar alíquotas do IOF, mas diante da resistência do Congresso, procura taxar aplicações financeiras antes isentas, assim como apostas esportivas e fintechs, entre outras medidas, além de uma majoração mais leve do IOF.

Especialistas afirmam que o presidente Lula criou uma situação difícil para si mesmo, que poderá levá-lo ao ano eleitoral de 2026 sem espaço para grandes gastos, especialmente devido à oposição de um Congresso majoritariamente de centro-direita que não terá incentivo para facilitar medidas ao PT. O risco é que Lula abandone as regras do arcabouço fiscal instituído em 2023, acelerando o crescimento da dívida, com impactos negativos na inflação e nas taxas de juros.

O arcabouço fiscal estabeleceu limites para o crescimento da despesa primária, considerando aumento entre 0,6% e 2,5% acima da inflação, sem incluir juros, e determina que o aumento da despesa não pode ultrapassar 70% do aumento da receita. Assim, para cada R$ 1,00 recebido, podem ser gastos até R$ 0,70, respeitando o limite de aumento de 2,5%. Embora menos rigoroso que o teto de gastos anterior – que só corrigia a despesa pela inflação – essa regra ainda representa um controle significativo.

No entanto, o governo Lula tem recorrido a alternativas para gastar mais fora desse limite, o que acaba elevando a dívida pública. Entre as estratégias estão a liberação de recursos do Orçamento como despesas financeiras, que não entram no cálculo da despesa primária e escapam da regra fiscal.

Por exemplo, recursos do Fundo Social, financiados por receitas federais do petróleo, estão sendo direcionados para programas do BNDES, Minha Casa Minha Vida e Fundo de Investimento em Infraestrutura Social. Conforme cálculos da economista Cecilia Machado, colunista da Folha, os gastos autorizados em alguns desses programas somam R$ 74 bilhões este ano, contra R$ 25 bilhões em 2023.

Segundo o especialista em contas públicas e também colunista da Folha, Marcos Mendes, antes do governo Lula, grande parte dos recursos do Fundo Social era usada para reduzir a dívida pública.

Outro mecanismo para aumentar gastos é o uso de fundos privados para financiar programas como Pé de Meia e Desenrola Brasil, que podem alcançar até R$ 15 bilhões este ano.

De acordo com Mendes, os desembolsos do Orçamento com características de despesas financeiras, que não impactam o déficit primário, são R$ 59 bilhões maiores do que a média desses pagamentos entre 2018 e 2022, excluindo o ano da pandemia, 2020.

Apesar desses recursos serem significativos, não são a principal causa do crescimento das despesas acima da receita. Desde o fim do teto de gastos, o governo Lula reestabeleceu a regra de que os gastos em saúde e educação acompanhem o crescimento da receita corrente líquida, em proporções de 15% e 18%, respectivamente, diferente da regra anterior que permitia correção somente pela inflação.

Outro fator que impacta fortemente os gastos é a regra de correção do salário mínimo, que prevê aumentos reais de até 2,5% além da inflação. Isso eleva os benefícios previdenciários, que representam a maior despesa do governo, pois cerca de 70% desses pagamentos seguem o valor do salário mínimo. Durante este governo, o valor investido em benefícios previdenciários subiu de R$ 912,2 bilhões para R$ 1,053 trilhão.

Além disso, outras despesas apresentaram crescimento expressivo, muitas vezes por decisões judiciais ou suspeitas de irregularidades. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas pobres com mais de 65 anos ou deficientes, viu o número de beneficiários aumentar de 5,1 milhões para 6,3 milhões neste governo, por decisões administrativas ou judiciais.

Para Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI, o aumento dos gastos acima da receita líquida provavelmente levará o Brasil ao “shutdown” em 2027, com o corte dos gastos discricionários, que são aqueles não vinculados e sobre os quais o governo tem liberdade para decidir.

A própria equipe econômica já sinalizou essa possibilidade no Anexo IV do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026.

Como explica Pestana, “exceto em saúde e educação, que são protegidos por leis, não haverá recursos para itens como as Forças Armadas, gasolina para o Ibama e a Polícia Federal, nem para serviços básicos como internet e telefone dos órgãos públicos. Esse é o cenário preocupante para o futuro do Brasil”.

Ele ainda critica as propostas da Fazenda para elevação da receita, considerando-as medidas paliativas para preservar o ano, sem soluções estruturais duradouras. É pouco provável que, próximo do ano eleitoral, o governo altere as regras que garantem financiamento prioritário para saúde, educação e reajustes reais do salário mínimo.

O economista Alexandre Manoel, ex-secretário do Ministério da Fazenda (2018-2020), acredita que o aumento real da arrecadação atingiu seu limite. Ele prevê que o Congresso aprovará apenas medidas mínimas para garantir o funcionamento do governo durante o ano eleitoral de 2026 e para preservar o fluxo de recursos das emendas parlamentares.

Essas emendas representam um entrave aos gastos discricionários. Sob o governo Lula, elas aumentaram de R$ 35,6 bilhões para R$ 50,4 bilhões.

Nos próximos meses, até a eleição, espera-se um aumento dos gastos e da dívida pública para manter o governo em funcionamento, bem como a manutenção das verbas parlamentares.

Com isso, o Brasil perdeu uma oportunidade para realizar um ajuste gradual nas contas públicas durante o terceiro mandato de Lula, o que poderá exigir medidas mais drásticas em 2027, como mudanças nas vinculações de gastos em saúde e educação e na regra de reajuste acima da inflação do salário mínimo.




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