Preços do produto encanado e do de botijão já sobem mais que o dobro da inflação, levando brasileiros a tomar banho frio e substituir eletrodomésticos
O gás de cozinha substituiu a energia elétrica no papel de vilão do orçamento doméstico. Nos últimos 12 meses, o gás encanado acumula alta de 26,29%, e o gás de botijão, de 21,36%. Ambos subiram mais que o dobro da inflação no período (10,07%).
Para o consumidor, a saída tem sido adotar estratégias para reduzir custos: do banho cronometrado (ou gelado) à gastronomia de air fryer. As vendas de gás de botijão já caíram 4% de janeiro a julho, segundo dados do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás).
Na casa da professora Sibele Goulart, em Curitiba, air fryer e micro-ondas substituíram o forno e o fogão na maioria das refeições. Os banhos ficaram mais frios e com horário marcado para economizar.
— Às vezes, tenho a sensação de que se tivesse fogão a indução gastaria menos que com o fogão a gás, cuja conta saiu por R$ 240 este mês. No fim do ano passado, ficava entre R$ 60 e R$ 80 — afirma Sibele, comparando o valor da conta de luz, que tem vindo entre R$ 80 e R$ 100.
No ano passado, diante da maior seca em 90 anos, as contas de luz foram às alturas, com o acionamento emergencial de todo o parque de termelétricas no país. Neste ano, com o aumento do volume de chuvas e a aprovação no Congresso de um limite de 17% (ou 18%, a depender do estado) sobre o ICMS de combustíveis e energia elétrica, houve redução na conta de luz. Em 12 meses, a queda foi de 10,77% na energia elétrica residencial.
As finanças do restaurante Tasca Miúda, na Zona Sul do Rio, têm sentido de perto esse sobe e desce. No ano passado, para economizar, os equipamentos elétricos foram trocados por modelos a gás. O sócio André Korenblum conta que fez um investimento grande, pensando em economia a longo prazo, o que não aconteceu com as altas sucessivas do gás encanado, que tem reajuste trimestral e, este ano, subiu 12,81%, quase o triplo da inflação no período.
— Geralmente, os fornos e fritadeiras a gás ficam entre 10% e 20% mais caros que os equipamentos elétricos, que vendemos em 2021. Ainda estamos pagando o que foi investido e não estamos vendo a economia esperada — diz Korenblum, que já orientou a equipe a evitar ao máximo deixar ligadas as bocas de fogão que não estão sendo usadas.
Desculpas e crédito
Em Vaz Lobo, na Zona Norte do Rio, a pressão dos clientes levou um comerciante a pendurar um cartaz com pedido de desculpas: “Atenção! Pedimos desculpas pelos aumentos sucessivos e absurdos. Somos obrigados a repassar os reajustes recebidos pela Petrobras”, diz a mensagem
No último mês, a Petrobras fez duas reduções no preço do diesel e três no da gasolina. O limite no ICMS também ajudou a aliviar a pressão. Mas, no caso do gás, Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, afirma que a queda do imposto não teve impacto tão significativo:
— A questão fiscal teve impacto, mas não é comparável com diesel e gasolina. A alíquota do GLP (gás liquefeito de petróleo) no Rio já estava em 12%, portanto, não afetou tanto o produto. Na média, o impacto da redução do ICMS no GLP foi de queda de R$ 2,50 a R$ 2,60 por botijão.
Dono de duas revendedoras de gás na Zona Norte há 14 anos, Celso Miguez, de 54 anos, verificou queda de 30% nas vendas este ano. Segundo ele, os consumidores pedem para pagar no cartão de crédito ou parcelar o valor do botijão.
— A venda aumentou muito no cartão de crédito. As pessoas pedem, mas não parcelo. O pagamento no dinheiro é mais barato — diz Miguez.
Desde o início do mês, parte das famílias que recebem o Auxílio Brasil — no valor de R$ 600 deste mês até o fim do ano — começou a receber o vale-gás em valor integral.
Ao todo, 5,6 milhões de lares do país receberão o vale de R$ 110 a cada dois meses para a compra do botijão de 13kg.
Uma fonte do setor aposta que, nos próximos dias, a Petrobras deve anunciar redução no preço do gás, que poderia variar de 5% a 12%. Ela seria ancorada em uma diferença de mais de 10% em relação ao valor no mercado internacional nos últimos dias.
Sem trégua no cenário
Apesar da expectativa de alívio temporário, o cenário para o setor é de turbulência, diz João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia:
— No mercado internacional, houve aquecimento da demanda, fazendo o preço bater nas alturas em consequência da guerra na Ucrânia. No Brasil, a redução do ICMS não aconteceu no gás, como na gasolina, porque a tributação não é no consumo, mas na fonte.
Em retaliação aos bloqueios impostos por países ocidentais à Rússia após a invasão da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, restringiu o fornecimento de gás à Europa, o que fez a demanda disparar.
— Gás (natural) não é commodity plena. Ainda não é abundante o suficiente, com isso está, no momento, muito mais pressionado que o petróleo. Na Europa, está quase oito vezes mais caro que nos EUA, há uma disputa muito acirrada — diz Décio Oddone, ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).