Em meio a protestos, ministros decidem se mantêm a exigência de que as etnias só possam reivindicar terras ocupadas antes da promulgação da Constituição de 1988
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana, na quarta-feira, 1, o julgamento do marco temporal de demarcação de terras indígenas. O assunto estava na pauta de quarta-feira, 25, mas foi adiado para que a Corte discutisse a constitucionalidade da lei de autonomia do Banco Central.
Enquanto os ministros decidem se mantêm a exigência de que as etnias só possam reivindicar terras ocupadas antes da promulgação da Constituição de 1988, mais de 6 mil pessoas se reúnem em frente ao STF, desde domingo, 22, em protesto contra a pauta defendida por ruralistas e pelo presidente Jair Bolsonaro.
O STF analisa um recurso proposto pela Fundação Nacional do Índio (Funai), com base em um caso específico ocorrido em Santa Catarina, mas com repercussão geral, o que significa que a decisão servirá de base para todos os outros casos semelhantes. Ou seja, o avanço na demarcação de 303 terras indígenas, ocupadas por mais de 190 mil pessoas, está nas mãos dos ministros.
A discussão começou com uma ação do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma), que usa o argumento do marco temporal para negar a necessidade de reconhecimento da terra indígena Ibirama-Laklãnõ, na Reserva Biológica do Sassafrás, onde vivem os povos Xokleng, Guarani e Kaingang.
O instituto usou a tese do marco temporal para pedir a reintegração de posse da área, argumento que foi acatado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). O assunto foi levado ao Supremo por um recurso da Funai, que questiona o entendimento de que apenas terras ocupadas em 5 de outubro de 1988 teriam direito à demarcação.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o marco temporal, em junho deste ano. O PGR, Augusto Aras, afirma que a Constituição “reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”.
A ameaça à demarcação de terras também mobilizou a comunidade internacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a ONG Human Rights Watch (HRW) foram algumas das entidades que se posicionaram contra o marco temporal, por entenderem que a tese é um retrocesso nos direitos indígenas.
Na contramão do que defendem entidades humanitárias e a PGR, Bolsonaro defende a manutenção do marco temporal. Nesta terça-feira, 24, ele disse que seria um “caos” se o Supremo mudasse o entendimento sobre o assunto. “Simplesmente não teremos mais agricultura no Brasil”, reiterou nesta quinta-feira, em entrevista à rádio Jornal, de Pernambuco.
O relator do caso no STF é o ministro Edson Fachin, que deu voto contrário ao marco temporal no plenário virtual, em junho deste ano. Ele entende que “a perda da posse das terras tradicionais por comunidades indígenas significa o progressivo etnocídio de sua cultura”. A Constituição, reforçou, garante o direito “à identidade e à diferença em relação ao modo de vida da sociedade envolvente”.