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domingo, 22/06/2025




Refugiados armênios lutam para retornar a território abandonado

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Enviado especial à Armênia – Os zhingyalov hats são pães finos recheados com verduras e ervas frescas picadas muito finamente. Esta receita tradicional da culinária armênia foi criada em tempos difíceis de escassez, quando a criatividade era essencial.

Esses pães são bastante populares em cafés e lanchonetes de Erevan, a capital da Armênia, e também eram consumidos em Nagorno-Karabakh, um antigo enclave armênio situado no vizinho Azerbaijão.

Feitos com um pão achatado e enrolado, recheado com verduras, ervas e vegetais frescos, os zhingyalov hats representam mais do que uma refeição; eles são um símbolo da resistência cultural armênia em Nagorno-Karabakh, uma área de cerca de 4.400 quilômetros quadrados, um pouco menor que o Distrito Federal do Brasil, e palco de intensas disputas políticas e culturais por mais de um século.

Durante o domínio do Império Russo (1721 a 1917), a região já era habitada por armênios, e na época da União Soviética (1922 a 1991), houve um acordo de convivência entre armênios e azeris. Contudo, com a desintegração da URSS, aumentaram as tensões e um conflito armado estourou em 1988, que durou seis anos e resultou na vitória dos armênios, que ampliaram seu território e fundaram a República de Artsaque.

Em 2020, o Azerbaijão retomou o controle de Nagorno-Karabakh após uma guerra de 44 dias, levando cerca de 90 mil pessoas a fugir para a Armênia e Rússia. Três anos depois, ataques continuam a forçar a população a deixar a região, que hoje é praticamente uma cidade fantasma com estimativa de 7,9 mil habitantes, muito abaixo dos 100 mil que viviam lá sob controle armênio.

Para os armênios, que são em sua maioria cristãos, esta disputa vai muito além da terra: representa seu direito à identidade e à cultura, pois habitavam ali muito antes das fronteiras nacionais atuais terem sido definidas. Já para os azeris, principalmente muçulmanos, a presença armênia é vista como uma violação da soberania do Azerbaijão, país estabelecido após o colapso da URSS.

Histórias de vitórias e perdas

A história do internacionalista e defensor dos direitos humanos Artak Beglaryan é profundamente ligada à guerra em Nagorno-Karabakh. Nascido em 1988, ano do início do conflito, perdeu o pai em batalha quando tinha 4 anos. Em 1995, logo após o cessar-fogo intermediado pela Rússia em 1994, perdeu a visão em um acidente em sua casa em Stepanakert, a capital do enclave. Apesar das dificuldades, viu sua comunidade alcançar vitórias significativas, incluindo a expansão territorial e a declaração de independência de Artsaque.

Artak Beglaryan formou-se em ciências políticas em Londres e ocupou cargos no governo autônomo da República de Artsaque, incluindo o de ministro de Estado, embora a nação não fosse reconhecida pela ONU. Atualmente refugiado na Armênia, ele luta para que a comunidade internacional preste mais atenção à situação da região.

Gegham Stepanyan, ex-defensor dos direitos humanos de Artsaque, também destaca a importância de incluir o retorno das populações armênias como ponto essencial nas negociações de paz entre Armênia e Azerbaijão.

A influência soviética

A criação e a dissolução da União Soviética foram cruciais para a situação em Nagorno-Karabakh. Após a revolução de 1917, os bolcheviques liderados por Vladimir Lenin assumiram o poder, derrubando o Império Russo. Entre os inúmeros povos reivindicando seus territórios estavam os armênios étnicos na região do Azerbaijão, que passaram a morar sob arranjos políticos impostos pelo novo regime.

Conflito recente e consequências

Em 27 de setembro de 2020, Nagorno-Karabakh foi surpreendida por um ataque do Azerbaijão, que durou 44 dias e resultou na derrota armênia. Soldados armênios, como Vanush Jan, que servia na defesa aérea, enfrentaram momentos terríveis e a perda massiva da população. Após negociações, um acordo de paz permitiu a retirada das tropas armênias e o envio de soldados russos para monitorar o Corredor de Lachin, única conexão entre o enclave e a Armênia.

Entretanto, os confrontos continuaram até que, em dezembro de 2022, ativistas azeris bloquearam o Corredor de Lachin, dificultando a entrada de alimentos e remédios. Em setembro de 2023, o Azerbaijão realizou outra operação militar contra Artsaque que levou à rendição das forças armênias, colapso do governo local e dissolução do exército. Cerca de 100 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas, e a região ficou deserta.

Perspectivas de paz incerta

Após o êxodo, as negociações de paz entre Baku e Erevan continuam, com avanços em março de 2025 apontando para um possível acordo que permitiria a reocupação do território. No entanto, dois pontos principais travam o processo: uma proposta de reforma constitucional na Armênia requerida pelos azeris e a criação de um novo corredor estratégico ligando o Azerbaijão ao enclave do Naquichevão através da Armênia, o que tem gerado desconfiança e receios de perda da soberania armênia.

Enquanto essas questões permanecem sem solução, muitos refugiados de Artsaque acham difícil pensar no futuro. Uma ex-moradora revelou que, apesar de terem vivido em meio a incertezas e guerras, construíram suas vidas e lares, mas perderam tudo num instante. Agora, a maioria não consegue mais fazer planos para o futuro, pois ele parece instável e incerto.




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