GABRIEL ALVES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Recentemente, dois estudos importantes publicados em revistas médicas renomadas mostraram novas possibilidades para a semaglutida, um remédio usado para tratar obesidade e diabetes, vendido sob as marcas Ozempic, Rybelsus (para diabetes) e Wegovy (para obesidade).
Um dos estudos, publicado na revista The Lancet, revelou que uma dose semanal injetável de 7,2 mg proporciona uma perda de peso maior em comparação com a dose atual de 2,4 mg, alcançando 18,7% contra 15,6%. Os pacientes que receberam a dose mais alta tiveram maiores chances de perder 25% ou mais do peso inicial.
Priscilla Mattar, diretora médica da Novo Nordisk no Brasil, explica que entre os medicamentos semelhantes à semaglutida, chamados análogos do GLP-1, a eficácia aumenta conforme a dose. O novo estudo STEP UP mostrou que a dose pode passar de 2,4 mg sem atingir um limite.
Bruno Geloneze, endocrinologista e professor da Unicamp, ressaltou que a dose maior acrescenta cerca de 4% a mais na perda de peso e destaca a boa tolerância dos pacientes a essa dose.
Outro estudo, OASIS-4, divulgado na revista The New England Journal of Medicine, analisou a versão oral do medicamento na dose de 25 mg, que promoveu uma perda média de 13,6% do peso em 64 semanas, chegando a 16,6% entre pacientes que seguiram o tratamento corretamente. Cerca de 30% dos participantes alcançaram uma redução de peso igual ou maior que 20%. Até agora, a versão oral é oferecida apenas para diabetes em doses menores.
Nos dois estudos, os participantes eram obesos, mas não tinham diabetes. Os efeitos colaterais mais comuns foram náuseas, diarreia e prisão de ventre, com maior incidência nas doses mais altas. No grupo que recebeu a dose injetável mais alta, houve mais casos de alterações na sensibilidade da pele. Apesar disso, os casos graves foram raros e controláveis.
Walmir Coutinho, professor de endocrinologia da PUC-Rio, afirmou que a possibilidade de ter tanto a forma injetável quanto a oral facilita a adaptação do tratamento para diferentes perfis de pacientes. A forma oral pode ser especialmente útil para aqueles que têm medo de agulha ou dificuldade para manusear a caneta injetora.
Geloneze observa que o comprimido exige mais disciplina, pois deve ser tomado em jejum e só se alimentar depois de pelo menos 30 minutos, o que pode levar muitos pacientes a reconsiderarem a escolha.
A expectativa da Novo Nordisk é que essas novas opções aumentem o uso do medicamento. Segundo Mattar, isso reflete a tendência de tratamentos para obesidade se tornarem tão variados e personalizados quanto os para diabetes.
Os pedidos para aprovação das novas doses e usos ainda serão avaliados pela Anvisa. O uso fora das recomendações oficiais, seja com doses maiores ou na forma oral para obesidade, já ocorre, mas não é incentivado pela indústria, segundo Mattar.
Bruno Halpern, endocrinologista e presidente eleito da Federação Mundial de Obesidade, destaca que o uso fora da bula é aceitável quando se conhece o perfil de segurança e benefício, como no caso da semaglutida oral para obesidade. Ele ressalta a importância de avaliar o custo dessas doses maiores, visto que pode ser até três vezes maior, embora o ganho não seja proporcional.
Halpern cita o topiramato, um remédio mais barato usado fora da bula para problemas alimentares e obesidade, alertando que o uso off-label deve ser feito apenas por especialistas que conhecem os estudos e discutem com cuidado com os pacientes.
Mesmo com avanços, ainda poucas pessoas com obesidade são tratadas com medicamentos. Segundo Coutinho, menos de 2% dos obesos nos EUA e cerca de 3% no Brasil usam remédios para essa condição.
Entre os benefícios da semaglutida está a redução do risco cardiovascular em 14% a 26%, incluindo menos casos de AVC, infarto e doenças renais. Novos estudos indicam também efeitos positivos na gordura no fígado e até na progressão do Alzheimer.
A gordura no fígado é atualmente a principal causa de transplante nos EUA e deve crescer no Brasil, segundo Mattar. O medicamento mostrou eficácia em reduzir a evolução dessa doença e a fibrose. A FDA dos EUA aprovou recentemente o uso da semaglutida para esteato-hepatite.
Sobre Alzheimer, Mattar explica que os tratamentos anteriores falharam, focando na proteína amiloide. A nova hipótese é de que a inflamação crônica é importante, e se comprovada, a semaglutida poderá mudar a história da doença, hoje sem tratamentos que modifiquem sua progressão.
O maior obstáculo é o acesso ao medicamento, que ainda não está disponível no SUS, nem para obesidade.
Mattar informa que dossiês foram enviados para incorporar a semaglutida ao SUS, mas foram rejeitados pela Conitec por questões orçamentárias, pois a obesidade é muito comum. Ela se mostra otimista, pois o governo está atento e acredita que programas robustos para essa doença serão implantados, como já ocorre para diabetes e hipertensão.
Experiências em Goiás e Rio de Janeiro podem abrir caminho para o uso em casos específicos.
Outro desafio é a propriedade intelectual. A patente da semaglutida no Brasil vence em 2026, e a indústria desenvolve uma nova geração de moléculas mais potentes, com combinações que aumentam ainda mais a perda de peso. O desafio será tornar esses avanços acessíveis para quem precisa e não pode pagar.