ANA PAULA BRANCO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O ciclo de aumento da taxa Selic, iniciado em março de 2021 e mantido nesta quarta-feira (18) pelo Banco Central ao elevar a taxa para 15% ao ano, afeta diretamente as operações de crédito dos bancos. Isso reduz a oferta de financiamentos, torna os empréstimos mais caros e contribui para o crescimento da inadimplência em diversas modalidades, especialmente nas destinadas às famílias, conforme analistas consultados pela Folha.
A Selic é referência para o custo de captação dos bancos e instituições financeiras. Na prática, juros mais elevados tornam o crédito mais caro e restrito — tanto para consumidores que desejam financiar bens quanto para empresários que buscam capital de giro.
De acordo com a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), o aumento da Selic elevou a taxa média de juros para pessoa física de 92,59% ao ano em janeiro de 2021 para 124,71% ao ano em maio de 2025. Modalidades populares como cartão de crédito rotativo, empréstimo pessoal e cheque especial foram particularmente afetadas.
Por exemplo, o rotativo do cartão de crédito chegou a uma taxa média de 448% ao ano, o que levou o governo a estabelecer um teto de 100% para a dívida. Mesmo assim, o uso dessas modalidades cresceu devido à perda do poder de compra e à dificuldade de acesso a opções mais baratas.
“Produtos sem garantia, como cartão de crédito e cheque especial, são os que mais sofrem com a alta da Selic. A inadimplência é uma consequência natural desse cenário”, afirma Jorge Azevedo, especialista em crédito e riscos.
Informações da Anefac indicam uma tendência de aumento dos juros nos últimos 12 meses encerrados em maio, com custos das operações bem acima da taxa básica da economia.
Comparativo Taxa Básica x Juros Cobrados – Pessoa Física
- Juros do comércio: 87,54% ao ano (493,49% acima da Selic)
- Cartão de crédito: 448,01% ao ano (2.937,36% acima da Selic)
- Cheque especial: 151,26% ao ano (925,49% acima da Selic)
- Financiamento de veículos: 28,32% ao ano (92% acima da Selic)
- Empréstimo pessoal bancos: 60,10% ao ano (307,46% acima da Selic)
- Empréstimo pessoal financeiras: 130,32% ao ano (783,53% acima da Selic)
- Taxa média: 124,71% ao ano (745,49% acima da Selic)
Comparativo Taxa Básica x Juros Cobrados – Pessoa Jurídica
- Capital de giro: 25,93% ao ano (75,80% acima da Selic)
- Desconto de duplicatas: 25,05% ao ano (69,83% acima da Selic)
- Conta garantida: 151,54% ao ano (927,39% acima da Selic)
- Taxa média: 59% ao ano (300% acima da Selic)
Dados da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) indicam que mais de 72 milhões de brasileiros estão inadimplentes, concentrados principalmente entre aqueles que recebem até dois salários mínimos.
No mesmo período, o crédito para empresas, especialmente para capital de giro, também ficou mais caro e sua concessão diminuiu, com taxa média passando de 17,8% para 26,9% ao ano.
Caio Tonet, diretor de operações da W1 Capital, afirma que o crédito para capital de giro e antecipação de recebíveis deve desacelerar ainda mais. Segundo ele, a manutenção da Selic elevada por vários meses pode provocar um aumento da inadimplência no segundo semestre, pois o custo do crédito se torna insustentável para quem já está muito endividado.
Ele relata que os bancos estão adotando uma postura mais cautelosa. “A selic alta é o remédio amargo que precisamos tomar por causa de uma política fiscal questionada e inflação acima da meta”, comenta.
Esse aperto atinge com mais intensidade as empresas de médio porte, que têm estrutura para continuar operando, mas não possuem o mesmo fôlego das grandes corporações nem a flexibilidade dos pequenos empresários, explica Jorge Azevedo.
“Empresas médias precisam seguir funcionando, pagar salários e aluguéis. Elas são as mais vulneráveis em tempos incertos”, afirma.
Para Paula Reis, economista do DataZAP, o aumento de 0,25 ponto na Selic afetará o mercado imobiliário, já que a taxa influencia o custo dos empréstimos e dificulta o acesso das famílias à casa própria.
No setor automotivo, os financiamentos estão mais difíceis: houve aumento da entrada, redução dos prazos e alta dos juros. Segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), cerca de 60% das vendas de veículos no país dependem de crédito, e o setor registrou queda de 18% nos financiamentos desde 2022.
Gabriel Jacques, CEO da Ibratan, alerta para o risco de essa desaceleração prejudicar o crescimento econômico e, consequentemente, o mercado de trabalho. “Para o cotidiano, a mensagem é clara: cuidado ao usar crédito, priorize as dívidas com juros mais altos e faça um planejamento financeiro para enfrentar este período de juros elevados”, orienta.
André Matos, CEO da MA7 Negócios, acredita que a pressão sobre os consumidores vai aumentar no curto prazo, mas enxerga um cenário otimista para a economia brasileira, com o PIB, a inflação e as exportações superando as projeções.