SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Enquanto os Estados Unidos comemoram o ataque às instalações nucleares iranianas ocorrido no domingo (22), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) solicita acesso aos locais atingidos, e especialistas alertam que é prematuro avaliar os efeitos dessa ofensiva.
O Irã indicou a intenção de suspender sua cooperação com a AIEA nesta segunda-feira (23). O presidente do Parlamento iraniano, Mohammad Bagher Ghalibaf, declarou que o Legislativo pretende aprovar uma lei para esse fim, alegando que a agência da ONU age com “falta de objetividade e profissionalismo”.
A tensão entre Teerã e a agência da ONU já vinha crescendo. No início de junho, antes dos ataques, a AIEA aprovou uma resolução condenando a falta de cooperação do Irã em relação ao seu programa nuclear. Embora não tenha identificado indícios de um “programa sistemático” para fabricar armas atômicas, a estagnação nas inspeções era preocupante.
Desde que Israel bombardeou instalações nucleares iranianas em 13 de junho, a AIEA, responsável por fiscalizar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), está impedida de fazer inspeções no país.
Onde está o urânio enriquecido?
Os ataques tiveram como alvo três instalações importantes onde oficialmente se processa o urânio enriquecido: Fordow, Natanz e Isfahan.
Foram registrados danos significativos, e a AIEA preocupa-se com as reservas de 408,6 kg de urânio enriquecido a 60% que sua equipe viu pela última vez em 10 de junho. Esse volume, se enriquecido a 90%, poderia ser usado para fabricar mais de nove armas nucleares.
Imagens de satélite mostram movimentação de veículos próximos a um dos acessos subterrâneos de Fordow antes do ataque americano. O urânio enriquecido é armazenado em pó dentro de recipientes, podendo ser facilmente transportado em veículos.
Seria ele transferido? O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, mencionou possuir “informações interessantes” sobre isso, mas não divulgou detalhes.
Se removido, será difícil, senão impossível, rastrear sua localização, explicou à AFP Kelsey Davenport, especialista da Arms Control Association. Ela ressaltou que é cedo para afirmar que os ataques foram bem-sucedidos.
O Irã ainda pode construir a bomba nuclear?
Das mais de 20 mil centrífugas que o Irã possuiria, muitas foram danificadas em Natanz, segundo Grossi. Também foram citados danos importantes em Fordow, onde os equipamentos são frágeis e sensíveis a vibrações devido às explosões. Contudo, nem todas as centrífugas estão registradas; algumas foram armazenadas em locais desconhecidos nos últimos anos, diante da deterioração da cooperação com a AIEA, conforme especialistas.
Com urânio enriquecido a 60% e algumas centenas de centrífugas, o Irã ainda pode desenvolver rapidamente uma arma nuclear, alertou Davenport.
A AIEA já teve mais poderes antes?
Sim. Um acordo de 2015 entre o Irã e grandes potências impôs limites rigorosos às atividades nucleares de Teerã e ampliou a supervisão da AIEA para aspectos como produção e estoque de centrífugas. Foi a supervisão mais abrangente já feita pela AIEA em qualquer país.
Grande parte do monitoramento veio do fato de o Irã aceitar, no acordo de 2015, aplicar o Protocolo Adicional — um complemento para reforçar a capacidade de prevenir a proliferação nuclear. O Irã assinou, mas nunca ratificou o Protocolo Adicional.
Uma das ferramentas do Protocolo é permitir inspeções surpresa, inclusive em locais não declarados como nucleares.
Por que esses poderes não existem mais?
Em 2018, durante seu primeiro mandato, o presidente dos EUA, Donald Trump, retirou os Estados Unidos do acordo nuclear de 2015 e reimpôs sanções. Em retaliação, o Irã começou a ultrapassar os limites do acordo e restringiu a supervisão da AIEA.
Em fevereiro de 2021, o Irã declarou que não cumpriria mais os compromissos adicionais previstos no acordo, incluindo o Protocolo Adicional. Ainda manteve um acordo para manter equipamentos de monitoramento operando, mas mandou removê-los em junho de 2022.
Quais os riscos de proliferação?
Antes do conflito, a AIEA não detectou indícios de um programa sistemático para fabricar arma nuclear, e o Irã sempre negou tal intenção. A agência só pode inspecionar instalações nucleares declaradas pelo Irã, como as usinas de Natanz e Fordow, que estavam operando até os bombardeios de Israel em junho.
Após os ataques, essas usinas foram fechadas e inspetores não têm acesso, conforme informado pela agência, que espera retomar inspeções em breve. Se as hostilidades persistirem, o regime de não proliferação poderá entrar em colapso, alertou Grossi.
O que acontece se o Irã sair do Tratado de Não Proliferação?
O Irã já ameaçou deixar o TNP, mas afirmou que não desenvolveria armas nucleares mesmo assim. Teerã reclama que o tratado e o regime de não proliferação não o protegeram de ataques dos Estados Unidos e de Israel, ambos com arsenal nuclear.
O TNP permite que um país saia do tratado após aviso prévio de três meses, caso considere que acontecimentos extraordinários relacionados ao tratado comprometeram seus interesses mais importantes.