Lasso é membro do Opus Dei, mas afirma estar disposto a abrir debate sobre a descriminalização do aborto
Em sua terceira eleição presidencial, Guillermo Lasso conseguiu ampliar com sucesso sua base de eleitores para além da direita tradicional e assim vencer uma disputa acirrada contra a esquerda ligada ao ex-presidente Rafael Correa.
No domingo (12/04), ele obteve dianteira de cinco pontos percentuais contra Andrés Arauz, que reconheceu a derrota.
“Este é um dia histórico, um dia em que todos os equatorianos decidiram seu futuro, expressaram com seu voto a necessidade de mudança e o desejo de dias melhores para todos”, disse Lasso para apoiadores reunidos em Guayaquil na noite de domingo.
Durante a campanha, ele havia alertado sobre a complexa missão que o espera.
“Vamos receber um país em situação complicada. O governo nacional não tem liquidez, apenas um saldo de US$ 400 milhões na reserva, que cobre só 20% dos gastos mensais do governo”, disse ele à BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol) durante a campanha eleitoral.
“É também um governo com uma dívida que chega a 63% do Produto Interno Bruto (soma de todas as riquezas produzidas num determinado período), ao qual devemos somar atrasos com municípios, prefeituras, sistemas de seguridade social e com o Banco Central. A dívida chega a US$ 80 bilhões.”
Ponto-chave para o triunfo do ex-banqueiro e empresário conservador de 65 anos foi o descontentamento em relação ao ex-presidente Rafael Correa, que apoiou Arauz. Muitos destes eleitores não votaram em Lasso no primeiro turno em 7 de fevereiro de 2021 e agora mudaram de ideia.
Mas o partido de Lasso, o Movimento Político Criando Oportunidades (Creo), só tem 12 assentos na Assembleia Nacional, além das 19 cadeiras da principal sigla aliada, o Partido Social Cristão.
Eles enfrentarão o correísmo com 48 deputados, o que obrigará o novo presidente a fazer concessões que já começaram na campanha.
“A cada voto que ele obteve ao ampliar sua plataforma, a governança diminuiu, porque ele passou a distribuir o bolo para muitos que, na hora de governar, vão cobrar seu preço”, disse o analista Pedro Donoso à BBC News Mundo.
Donoso acrescenta que o anti-correísmo como força política também não é um grupo homogêneo e que Lasso terá que lidar com interesses conflitantes.
O presidente eleito é um conhecido banqueiro e empresário equatoriano que participa de diversos conglomerados financeiros.
Ele costuma se referir a uma origem familiar humilde que o levou a começar a trabalhar aos 15 anos na Bolsa de Valores de sua cidade, Guayaquil.
Assim, ele sempre tenta afastar o rótulo de um banqueiro rico que “não se importa” com os mais pobres.
Ele foi subindo rapidamente de posição até se tornar presidente do Banco de Guayaquil por quase 20 anos. No início dos anos 1990, chegou a liderar a Associação de Bancos Privados do Equador.
Em agosto de 1999, ele foi nomeado ministro da Economia, mas por causa de divergências com o então presidente Jamil Mahuad sobre a condução da economia do país, renunciou um mês depois.
Sob o lema “empreendedorismo, inovação e futuro”, Lasso disse na campanha que respeitará o acordo do país com o FMI (Fundo Monetário Internacional), com exceção de um ponto.
Não vamos ignorar o acordo com o Fundo Monetário Internacional. O que não vamos fazer é aumentar o IVA”, disse, referindo-se a uma polêmica medida que visa aumentar a arrecadação de impostos em um país que já tem elevados níveis de déficit fiscal e dívida pública.
O que Lasso propõe
Em seu plano de governo, o então candidato se propôs a gerar novos empregos, aumentar o salário mínimo para US$ 500 mensais, acabar com a fome de mais de um milhão de equatorianos, atrair investimentos estrangeiros e combater a corrupção.
O último ponto era o argumento central da vitória contra Arauz e o padrinho Correa.
Próximo de ideias da Opus Dei (uma das mais conservadoras e controversas instituições da Igreja Católica), Lasso é casado, pai de cinco filhos e causou polêmica ao defender na campanha eleitoral que uma escultura em Quito da popular Virgen del Panecillo fosse girada para não ficar de costas aos cidadãos do sul, região mais pobre.
Ele sempre foi ferrenho opositor de qualquer proposta de lei sobre a descriminalização do aborto, mesmo em casos de estupro. Mas na campanha, mostrou-se aberto a ouvir os equatorianos e não impor sua visão – e até falou em uma possível consulta popular sobre o tema.
“O Equador sabe que um dos meus princípios é a defesa da vida desde a concepção até a morte natural. Agora, sendo um presidente de um Estado laico, me comprometo absolutamente a respeitar pontos de vista diferentes do meu, e se houver decisão da maioria, reconhecerei que esta é a maneira de ver a vida da maioria dos equatorianos”, disse o presidente eleito.
Popularmente conhecido como “candidato eterno”, esta foi a terceira vez que concorreu à Presidência. Ele perdeu para Correa em 2013 e Lenín Moreno em 2017.
Carlos Ferrín, consultor de comunicação política, disse à BBC News Mundo que Lasso se transformou nos últimos anos.
“Quem concorreu em 2013 foi um empresário que tentava ser político; o de 2017 liderou o momento mais crítico do anti-correísmo e quase conquistou a Presidência.”
Naquela eleição, Lasso inicialmente se recusou a aceitar os resultados sob alegações de fraude eleitoral. No entanto, a virada política que Moreno deu ao longo de seu governo o levou a se aproximar do atual presidente, embora tenham se distanciado na campanha eleitoral.
“Esta versão do Lasso 2021 para mim é a melhor, com seus pequenos problemas de saúde, a queda que o obrigou a portar uma bengala, um candidato mais humano, mais cercado de sua família, seus filhos, como parte de um clã”, avalia Ferrín.
Lasso, que se define como um liberal que “acredita nas boas ideias e não nas ideologias”, prometeu acabar com as políticas de esquerda promovidas durante o governo Correa.
Nesse sentido, disse que votar no seu adversário Arauz era sinônimo de “volta ao correísmo” e que isso poderia levar o Equador a tornar-se uma “nova Venezuela”.
Os desafios
Se a tarefa de derrotar Arauz foi um grande desafio, maior ainda será administrar a economia do Equador, país de quase 17 milhões de habitantes que necessita acelerar a vacinação contra o coronavírus (que matou 17 mil pessoas no país).
Menos de 2% da população receberam pelo menos uma dose do imunizante contra a doença — o Brasil vacinou pouco mais de 10%.
Por causa da pandemia, a economia equatoriana recuou 7,8% em 2020, mas deve crescer 3,5% neste ano, segundo autoridades locais. Em um ambiente de mercado de trabalho amplamente informal, apenas 34% dos empregos no país cumprem pelo menos o mínimo previsto em lei em horas ou salários.
Lasso prometeu estimular a economia atraindo mais investimentos estrangeiros e impulsionando a produção de petróleo, o produto de exportação mais importante do país sul-americano.
Também promete criar 2 milhões de empregos, expandir o setor agrícola por meio de empréstimos a juros baixos e reduzir progressivamente os impostos.
Lasso se gaba do passado como banqueiro, algo que o afastou de alguns eleitores, ao defender que sabe criar empregos e financiar empresas através do setor privado e que agora fará o mesmo com o público.
Nesse sentido, promete gerar riqueza a partir de recursos petrolíferos, minerais e energéticos por meio da participação do setor privado em substituição ao financiamento estatal.
Talvez sejam esses dotes de empresário e especialista em finanças que o motivaram a ser eleito pelo eleitorado equatoriano diante do jovem candidato de Correa, em um momento de crise econômica por conta da pandemia e da dívida.
Isso levou Moreno a buscar financiamento com o FMI, que injetou US$ 7,4 bilhões no país.
“Não queremos mexer com coisas perigosas como eliminar a dolarização (da economia equatoriana); não acreditamos em ideias derivadas da inépcia. Não queremos improvisos e vamos mostrar que temos capacidade, vontade e experiência”, disse Lasso durante a campanha, quando explorava sua experiência e solvência empresarial contra o jovem rival.
Lasso é defensor ferrenho da dolarização, que rege a economia do país há mais de 20 anos e é muito popular entre a população.
Como se a missão de criar empregos, reduzir a pobreza, que aumentou com a pandemia, e lidar com a dívida não fosse complicada o suficiente, Lasso terá que lidar com a Assembleia Nacional dominada pela oposição, o que tornará difícil para um presidente que agora busca implementar no setor público seu sucesso no setor privado.