De acordo com o secretário Sandro Avelar, a diminuição no repasse inviabiliza qualquer investimento nas corporações que cuidam da capital do país. Neste ano, dos R$ 23,38 bilhões do FCDF, R$ 10,7 bilhões foram destinados à área
Desde que o Fundo Constitucional (FCDF) foi instituído, em 2003, a maior parcela do recurso — que é repassado pela União — é destinada à Segurança Pública. Diferentemente das áreas da educação e da saúde, em que as verbas do FCDF são usadas somente para pessoal e custeio, no caso da segurança pública, além dessas duas destinações, a verba é usada também para investimentos, além de ser a única fonte de recursos. Neste ano, dos R$ 23,38 bilhões do Fundo Constitucional, R$ 10,7 bilhões foram para a segurança pública, valor que representa cerca de 45% do total do FCDF.
Desde 2003, quando entrou em vigor, o aporte anual do fundo é de R$ 2,9 bilhões, corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida (RCL) da União. Os recursos são usados para custear a organização e a manutenção de todas as forças de segurança: Polícia Civil (PCDF); Polícia Penal; Polícia Militar (PMDF); e Corpo de Bombeiros (CBMDF). O secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, disse à reportagem que a medida proposta pelo governo federal é péssima e desastrosa para a área.
“O Fundo Constitucional garante o custeio da segurança pública na capital do país, uma área sensível e estratégica, que protege mais de 3 milhões de pessoas. Só fazemos contratações se houver recursos”, destacou. “É completamente contraditório que o governo federal, que tanto destaca a importância de segurança das autoridades, ao mesmo tempo, sinalize o corte”, avaliou. Avelar ressaltou que os recursos do Fundo Constitucional são justamente os que custeiam a segurança das mais importantes autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, ainda, o corpo diplomático que reside ou passa pela capital.
“Não temos alternativas. Caso o corte se concretize, vai inviabilizar qualquer investimento que a gente queira fazer, seja em concursos, para incrementar ainda mais os efetivos das polícias Militar e Civil e o Corpo de Bombeiros, ou em novos equipamentos, para auxiliar na resolução de crimes”, alertou o secretário.
Preocupação
Francisco Ferreira, 68 anos, trabalha como taxista e é morador do Gama. Ele contou que tem acompanhado as notícias sobre o corte do investimento na segurança pública e está preocupado com a situação. “A primeira coisa que vem à cabeça com esse corte é que vai gerar uma sensação maior de insegurança. Investimentos são necessários para que as forças de segurança consigam trabalhar da melhor forma possível”, afirmou.
“Acredito que vai ter um maior aumento no número de crimes por todo o DF”, acrescentou Leandro Henrique, 27, morador da Ceilândia. Ele, que atua no setor de prevenção de perdas de uma loja, disse acreditar que as pessoas vão ter medo de sair das suas casas. “Além de causar problemas nos comércios e na prestação de serviços. Acredito que vamos ter menos policiais nas ruas”, opinou.
A doméstica e moradora de Samambaia, Joyce de Oliveira, 39, comentou que tem medo da região onde mora e que a falta de investimento pode aumentar os problemas. “Samambaia tem locais com muitos assaltos e a falta de investimentos pode diminuir o número de policiais e de viaturas nas ruas, aumentando o número de crimes e, consequentemente, trazendo uma sensação enorme de insegurança”, desabafou.
Prioridade
Professor de direito especialista em segurança pública, Júlio Hott disse que a segurança pública do DF depende única e exclusivamente do Fundo Constitucional. “Analisando o aspecto de recursos humanos, como abertura de concursos e vagas, tudo é planejado dentro do repasse do FCDF”, observou, acrescentando que o recurso também cobre a área de armamentos e viaturas. “Caso haja a diminuição no Fundo Constitucional, certamente vai impactar na aquisição de todos esses equipamentos”, alertou Hott.
O especialista lembrou que a segurança pública no Distrito Federal é um desmembramento da segurança pública nacional. “A capital foi criada em face da área federal, ou seja, a União é uma das maiores beneficiadas com a segurança pública do DF, principalmente nos últimos tempos, em que a gente tem sempre movimentações sobre o aspecto de segurança pública na área onde se encontra o centro do poder”, explicou.
De acordo com o professor, não há como se pensar em diminuir os recursos necessários para a segurança pública no Distrito Federal. “Pelo contrário, o governo federal tinha que ter um planejamento para ampliar o FCDF. Qualquer diminuição vai trazer um impacto negativo, além de criar uma certa retaliação por parte do governo do Distrito Federal em face da segurança das instituições federais”, opinou.
Júlio Hott ressaltou que é compreensível que a União, economicamente, queira cortar gastos, mas deve se estabelecer uma prioridade para esse corte de gastos. “A gente sabe que governança é estabelecer prioridade e é compreensível que a União, economicamente, queira cortar gastos, mas deve-se estabelecer uma prioridade para esse corte de gastos e eu entendo que a segurança pública, aqui no DF, é prioritária”, observou o especialista.
Justiça
Presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-DF, a advogada Ana Izabel Gonçalves de Alencar disse que o corte não é justo com Brasília, pelo fato de ela ser a capital da República e uma cidade que acolhe as embaixadas e os órgãos internacionais. “Essa mudança vai afetar muito a segurança pública do DF, pois o governo local vai deixar de pagar os agentes de forma justa”, apontou.
Ana Izabel ressaltou que, em todo o país, existem aproximadamente 75 facções criminosas. “Brasília é uma rota frequente dessas organizações, por isso, a cidade precisa muito ter uma equipe de segurança eficiente e bem equipada, para conseguir lidar com esse tipo de situação, o que só é possível com os recursos do Fundo Constitucional”, alertou.
Prejuízo
A proposta apresentada pelo governo federal à Câmara dos Deputados pretende corrigir o repasse, a partir do ano que vem, de acordo com a variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou de outro índice que vier a substituí-lo, considerados os valores apurados no período de 12 meses — encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere à lei orçamentária anual.
Um estudo, realizado recentemente pela Secretaria de Economia, mostra a diferença de crescimento dos recursos considerando a regra atual e a alteração proposta. De acordo com o levantamento, a perda acumulada poderia somar mais de R$ 106 bilhões se o Fundo Constitucional fosse corrigido pelo IPCA desde a sua criação, em 2003.