CARLIANE GOMES
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Após 17 anos de realização na Ceilândia, o São João do Cerrado terá nova localização. Este ano, a famosa celebração junina, uma das maiores da região Centro-Oeste, será transferida para a Esplanada dos Ministérios, no centro de Brasília. A mudança foi anunciada ao vivo pela idealizadora e produtora do evento, Edilane Oliveira, que explicou que a alteração se deu por dificuldades de logística e infraestrutura. “Desde que o último São João terminou, em setembro, buscava maneiras para manter o evento em Ceilândia. Andei pelo bairro, conversei com várias pessoas, busquei soluções. Contudo, o local tradicional da festa está tomado por obras, tornando impossível continuar ali”, explicou.
Na edição passada, já era possível perceber construções no espaço do evento, e a situação piorou nos meses seguintes com novas obras. “O problema é estrutural. Não há piso adequado ou infraestrutura para a alimentação; poeira e buracos permanecem um desafio. Tentamos fazer o melhor possível com recursos limitados, mas chegou a um ponto em que não é mais viável”, desabafou Edilane.
Ela revelou ter recebido convites para levar a festa para outras administrações, como Taguatinga, Samambaia e Planaltina, mas preferiu não deslocar o evento do seu eixo original sem uma justificativa convincente. “Ceilândia fez o São João do Cerrado acontecer. Há uma conexão muito forte com a cidade, sua cultura e seu povo. Seria injusto mudar para uma outra região administrativa.”
A Esplanada foi escolhida por oferecer melhor estrutura e acesso facilitado para moradores de todas as regiões do Distrito Federal. “O novo local permitirá o crescimento do São João, com infraestrutura adequada e transporte gratuito aos domingos e feriados, garantindo mais participação popular. A essência do evento será mantida, e Ceilândia estará presente na Esplanada”, destacou.
Reação da população
Durante anos sediado na Ceilândia, o São João do Cerrado representava muito mais que um evento, era símbolo de resistência e pertencimento para muitos moradores. O jornalista Wilker Leal, 31 anos, considera a transferência uma perda difícil de justificar. “Realizar o evento aqui sempre foi motivo de orgulho para uma região com poucos espaços culturais valorizados”, afirmou. Ele relembra que ouvia a festa desde criança e passou a frequentar e divulgar o evento na fase adulta.
Mesmo reconhecendo as limitações do transporte público durante a festa, Wilker ressalta o grande apoio popular, evidenciando o quanto o evento era esperado pela comunidade. “Mudar para o Plano Piloto é elitizar uma celebração popular. No Plano tudo ocorre, nas regiões satélites quase nada. É uma enorme perda para a Ceilândia.”
Ele questiona a acessibilidade e inclusão, perguntando se nenhuma outra cidade satélite próxima às comunidades nordestinas teria condições de sediar a festa. Além disso, destaca o desafio para quem mora na periferia participar de um evento no Plano Piloto que termina tarde, enfrentando tarifas elevadas de aplicativos e transporte público insuficiente.
Wilker acredita que com vontade política o evento poderia permanecer onde nasceu. “Era necessário resolver questões estruturais, algo possível com boa vontade política e apoio do Governo Federal e do GDF.”
Posição política
O deputado distrital Max Maciel (PSOL) vê a saída do São João do Cerrado da Ceilândia como uma grande perda cultural. Segundo ele, o evento foi pensado para acontecer ali e carrega valor simbólico para a identidade local. “Ceilândia respira cultura popular, e manter a festa é reconhecer sua importância como polo cultural do DF.”
Maciel criticou a alegação de falta de espaço como prova da falta de investimentos e vontade política para fortalecer a cultura periférica. Destacou indicação feita ao GDF para destinar uma área pública na ADE Centro-Norte de Ceilândia para um Centro Cultural Popular, que teria infraestrutura para grandes eventos como o São João do Cerrado.
Ele lembrou que, enquanto Brazlândia possui estrutura para a Festa do Morango, Ceilândia carece de espaços adequados para eventos culturais. “Transferir o São João para o Plano Piloto reforça a centralização das políticas culturais e enfraquece as periferias, que são as verdadeiras defensoras da cultura popular.”
Sentimento dos moradores
A transferência do São João do Cerrado para a Esplanada dos Ministérios causou tristeza e preocupação entre moradores, que veem o evento como peça fundamental da identidade cultural local. A vendedora e moradora Geovanna Caetano, 18 anos, lamentou a mudança. “Achei péssima a ideia, pois o São João incentiva o povo da Ceilândia a participar das festividades e desfrutar da comida típica. Muitos ficarão sem acesso pelo local novo estar no Plano Piloto, com problemas de transporte, distância e horário.”
Roberto Alves, 27 anos, também reagiu negativamente. Para ele, o São João era um ponto turístico e cultural importante da Ceilândia. “Aqui era lugar para diversão de todos, e estou muito chateado. Eu participava todo ano, mas no Plano Piloto não vou mais.” Ele ressaltou que a cidade perde a oportunidade de mostrar sua cultura e combater a imagem negativa que recebe. “O São João atraía público e mostrava que não somos só criminalidade.”
A comerciante Jussara Costa, 49 anos, moradora de longa data, expressou sentimento de abandono da região. “Ceilândia já tem má fama e agora tudo é levado para longe. Assim, ninguém quer vir.” Ela questiona a justificativa oficial para a mudança e lamenta o forte vínculo nordestino com a cidade. “Minha família é toda nordestina, mas Ceilândia sempre é esquecida.”
A reportagem do Jornal de Brasília tentou contato com a produção do evento, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.