GÉSSICA BRANDINO, LUANY GALDEANO E TIAGO CARDOSO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Viagens de servidores públicos solicitadas em menos de 15 dias antes da data representam cerca de 70% dos voos do governo federal desde 2021. Ao todo, foram gastos mais de R$ 5,2 bilhões em passagens e diárias nesses casos, em comparação com R$ 1,5 bilhão em viagens planejadas com antecedência maior.
O maior aumento nesses voos ocorreu de 2021 a 2022, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), com alta de 58%. De 2022 para 2023, no primeiro ano do governo Lula (PT), houve um crescimento de 30%. Em 2024, esse aumento parou, com queda de 12% em relação a 2023.
A análise considerou dados de mais de 2,4 milhões de viagens de servidores públicos desde 2020, ano em que o registro entre viagens urgentes e planejadas começou a ser feito. Segundo a CGU (Controladoria-Geral da União), essa classificação foi definida em 2019 após acordo com o Ministério do Planejamento, hoje Ministério da Gestão e Inovação (MGI).
O sistema inclui informações sobre viagens realizadas, valores pagos, nomes e cargos dos servidores, entre outras. Cada órgão é responsável por registrar e aprovar suas passagens e diárias.
Para entender o impacto da antecedência nos gastos públicos, a reportagem comparou os preços de passagens urgentes e planejadas para o mesmo destino com até sete dias de diferença, considerando 8.116 voos internacionais e 327 mil nacionais.
Em 86% das comparações, passagens urgentes foram mais caras do que as planejadas para o mesmo destino. Essa diferença foi maior em voos domésticos, sendo 89% das vezes com custo maior nos bilhetes urgentes, e 72% para voos internacionais.
Especialistas indicam que isso mostra falta de planejamento no setor público, prejudicando o orçamento e elevando os custos das viagens oficiais.
Por exemplo, uma passagem de última hora para Buenos Aires em 3 de fevereiro de 2024 custou R$ 8.165, enquanto a passagem para 30 de janeiro do mesmo ano saiu por R$ 1.473. Para uma viagem urgente a Rio Branco, capital do Acre, em 6 de abril de 2024, o custo foi R$ 5.234 contra R$ 1.743 em viagem planejada na mesma data. Valores ajustados pela inflação.
Viagens urgentes são necessárias para alguns servidores e órgãos com funções imprevisíveis, como o gabinete da Vice-Presidência da República, segundo Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV. Esse gabinete é o segundo maior comprador de passagens sem antecedência, e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que também atende emergências, aparece em terceiro.
Porém, entre os dez órgãos com maiores gastos, sete são Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. O Instituto Federal Baiano lidera a lista.
“Em um instituto de educação, 99% das viagens são previsíveis”, destaca o professor da FGV. “Não é correto que as pessoas pensem que podem marcar viagens a qualquer momento sem planejar.” Além desses, a Funarte (Fundação Nacional das Artes) também está entre os dez órgãos com maiores despesas.
Segundo nota da Funarte, parcerias e cooperações causam deslocamentos imprevisíveis. A Fundação, sediada no Rio de Janeiro, exige viagens para Brasília e outras capitais culturais como São Paulo e Belo Horizonte. A Funarte informa estar aprimorando o planejamento das viagens.
O IF Baiano e a Funai não responderam até a publicação.
Entre 2023 e 2024, na gestão Lula, o gabinete da Vice-Presidência realizou quase 98% das viagens em caráter urgente. Em nota, a Vice-Presidência afirma priorizar a economia nos gastos, levando em conta a dinâmica das agendas e o fato de que o vice-presidente Geraldo Alckmin também exerce cargo ministerial. Reporta redução de 76,8% nas despesas discricionárias entre 2022 e 2024.
Passagens adquiridas com antecedência costumam ser mais baratas, conforme a professora de turismo da USP, Mariana Aldrigui. Ela destaca a importância do planejamento prévio para reduzir custos nos deslocamentos anuais.
No setor privado, a função de gestor de viagens é comum para organizar cronogramas e negociar pacotes econômicos, mas isso é raro no setor público, afirma a professora.
“A gestão pública ainda é muito arcaica e baseada em procedimentos lentos. No mundo corporativo, tudo é feito rapidamente, com controles e limites de gastos implementados. Há grande potencial para economizar recursos”, acrescenta.
Além disso, afirma Aldrigui, o setor público mantém excesso de viagens desnecessárias e com grupos amplos de servidores, o que eleva os custos.
“Viagens curtas poderiam ser substituídas por reuniões online. Hoje em dia, equipes híbridas facilitam isso, evitando deslocamentos de todos os integrantes. Além disso, não é razoável que um ministro participe de uma reunião acompanhado por 18 pessoas”, destaca a professora.