O relator da Organização das Nações Unidos (ONU), Juan Pablo Bohoslavsky, criticou em público nesta quarta-feira, 28, a decisão do governo brasileiro de suspender sua viagem ao País, que ocorreria entre os dias 18 e 30 de março. O jornal O Estado de S. Paulo revelou na segunda-feira, 26, que ele faria um exame do impacto das medidas de austeridade implementadas pelo governo nas áreas sociais, de educação e de saúde.
Nesta quarta-feira, falando diante do Conselho de Direitos Humanos das Nações, o relator deixou claro sua insatisfação em sua primeira declaração depois da suspensão da viagem.
“Lamento que minha visita ao Brasil tenha sido recentemente cancelada pelo governo”, declarou Bohoslavsky. Ele ainda fez uma cobrança às autoridades brasileiras para que uma nova viagem possa ser organizada. “Confio que as novas datas para a visita sejam oferecidas pelo governo num futuro próximo”, insistiu.
No governo, a justificativa era de que a viagem foi suspensa por conta da saída da ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, demitida pelo presidente Michel Temer. Por conta da “transição” no ministério, a viagem teria sido adiada. Mas, na ONU, nenhuma nova data foi apresentada pelo governo.
A visita ainda ocorreria em meio ao debate da reforma da Previdência e num momento de debate político sobre eventuais candidaturas para as eleições no segundo semestre.
O Brasil estende um convite permanente para que todos os relatores da ONU visitem o País. Mas condiciona a visita a uma organização de datas e calendários. Com a eleição se aproximando, porém, dificilmente o governo abriria uma brecha no segundo semestre para que visitas possam ocorrer.
Ao falar nesta quarta diante da ONU, o relator criticou de forma geral a decisão recente de vários governos de optar por austeridade e seu impacto aprofundando a pobreza.
“Vi uma desconexão entre as lições aprendidas das crises financeiras anteriores, em especial na América Latina nos anos 80 e 90, e as escolhas políticas dos últimos anos”, alertou. “Nem a importância de gastos para a proteção social e nem instrumentos de direitos humanos para garantir resultados sociais parecem ter um papel nas respostas de governos às recentes crises financeiras”, disse.
“De fato, reformas econômicas revelam uma negligência profunda de direitos humanos em suas formulações, proteção insuficiente aos mais vulneráveis, aprofundamento de desigualdades e falta de atenção na participação, consulta e transparência”, completou.
No ano passado, o governo brasileiro votou contra uma resolução que renovava o mandato do relator da ONU para avaliar o impacto de políticas fiscais em direitos humanos. Ao lado de EUA, Europa e Japão, o Itamaraty alegou que a proposta ia além do mandato que a entidade poderia dar a um relator para examinar políticas econômicas nos diferentes países.
No projeto de texto que foi aprovado, os governos “reconheciam que programas de ajustes estruturais limitam os gastos públicos, impõem tetos de gastos e dão atenção inadequada para serviços sociais”. O texto ainda indicava que apenas “poucos países podem crescer” diante dessas condições.
O governo de Michel Temer não aceitou o texto na ONU. Mas, apesar do voto contrário do Brasil, a resolução acabou sendo aprovada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, por 31 votos a favor e 16 contra.