Carga tributária de medicamentos e energia elétrica sobe, elevando preços ao consumidor. Já barcos e aviões mantêm isenções
O texto da reforma do Imposto de Renda aprovado na Câmara gera distorções, dizem especialistas ouvidos pelo GLOBO. O projeto eleva a carga tributária de medicamentos e energia elétrica, o que pode resultar em aumento de preços para o consumidor. Mas permaneceram os incentivos fiscais para embarcações náuticas e aviões. Além disso, pode incentivar a pejotização.
Cerca de 18 mil medicamentos podem ter incremento de até 18% no preço, segundo cálculos do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).
— No final, quem pagará a conta será o consumidor — diz Nelson Mussolini, presidente executivo da entidade.
Esse aumento teria impacto ainda no Sistema Único de Saúde (SUS), também em cerca de 18%, devido à cobrança de ICMS, pois alguns convênios vinculam a isenção desse tributo ao benefício federal de isenção de PIS/Cofins.
Entre os medicamentos com substâncias hoje isentas de PIS/Cofins estão aqueles usados contra câncer, hipertensão, doenças cardíacas e diabetes.
— O projeto reduz o Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas e aumenta a tributação sobre o consumo, porque parte da redução da receita é compensada via eliminação de benefícios fiscais, sobretudo para o setor de medicamentos — diz o ex-secretário de Política Econômica e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy.
Um profissional autônomo que tem uma empresa no regime do Simples e fatura, por exemplo, R$ 200 mil mensais seria beneficiado pela isenção da tributação sobre lucros e dividendos. Pagaria, apesar disso, 6% de impostos já previstos no regime fiscal do Simples. Segundo Appy, essa isenção dada a empresas do Simples e a optantes pelo lucro presumido com faturamento atual de até R$ 4,8 milhões é um forte incentivo à pejotização:
— Muitas dessas empresas são de profissionais liberais que têm poucas despesas, a renda dos sócios corresponde a quase todo o faturamento. Além disso, o limite de R$ 4,8 milhões ao ano gera um grande estímulo para que as empresas faturarem menos ou se fragmentem artificialmente.
Segundo Appy, uma empresa que fatura hoje cerca de R$ 4,5 milhões ao ano, por exemplo, tem incentivos para não crescer, o que limita a produtividade. Por outro lado, empresas com receita superior ao limite dos R$ 4,8 milhões são incentivadas a se dividirem artificialmente para pagar menos imposto.
‘Foi um mau desenho’
O texto ainda elimina benefícios fiscais de insumos para termelétricas, como gás canalizado e carvão mineral, para compensar parcialmente a perda de receita com essas isenções. Segundo Romero Tavares, tributarista e professor do Insper, isso deve ter impacto no preço da energia elétrica, já pressionada pela crise hídrica:
— Esses impostos sobre consumo não eram objeto da reforma do IR, mas entraram para viabilizar o equilíbrio orçamentário de um projeto repleto de distorções.
Já a distribuição de lucros e dividendos, tal como está, tende a gerar distorções em grandes empresas, diz Appy. Grandes acionistas poderão direcionar os lucros a holdings, por exemplo, para pagar menos imposto.
— Há no texto um incentivo perverso para que os sócios de grandes empresas façam a distribuição de lucros e dividendos de forma que esta ocorra sem ser tributada, por meio de holdings. Foi um mau desenho — diz Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado.