O cérebro não está bem preparado para lidar com a ênfase crescente em produtividade exigida nos ambientes modernos de trabalho
Você já se sentiu exausto? Com uma espécie de inércia mental e física, uma “sensação de peso” em tudo o que faz? Trata-se de estafa, exaustão ou “burnout”. Isso tem se tornado epidemia em nossa sociedade, segundo informações da rede britânica BBC.
Pesquisadores argumentam que a condição é deflagrada porque nossos cérebros não estão bem preparados para lidar com o ambiente moderno de trabalho. A ênfase crescente em produtividade – e a necessidade emocional de se mostrar competente por meio do trabalho – deixa os trabalhadores em um estado permanente de “bater ou correr”. Mas essa pressão não se limita ao trabalho. Cidades e dispositivos tecnológicos estão sempre pulsando com vida, e essa cultura de estar “24 horas ligado” pode dificultar o ato de descansar.
Sem recarregar nossos corpos e mentes, nossas baterias estão funcionando sempre em níveis perigosamente baixos. Essa necessidade de estar sempre alerta causa um pico constante de hormônios do estresse – uma avalanche que nossos corpos lutam continuamente para enfrentar.
Para descobrir se de fato a exaustão, que já “acometeu” personalidades como o papa Bento XVI e a cantora Mariah Carey, é uma doença moderna causada pelo cultura da instantaneidade ou se períodos de letargia e desmotivação são partes inevitáveis da vida, Anna Katharina Schaffner, crítica literária e historiadora da Medicina na Universidade de Kent, no Reino Unido, decidiu estudar o modo como médicos e filósofos entenderam os limites da mente humana, do corpo e da energia ao longo da história.
Em sua revisão, publicada recentemente no livro Exaustion, A History (Exaustão, Uma História, em tradução livre), Anna, que também já teve burnout, descobriu que relatos de “fadiga extrema” existem desde a época do médico romano Galeno. Até o nascimento da medicina moderna, quando médicos começaram a diagnosticar sintomas de fadiga como “neurastenia”, surgiram inúmeras explicações religiosas e astrológicas para explicar a condição.
Claramente, muitas pessoas ao longo da história se sentiram cansadas como nós, o que sugere que fadiga e exaustão sejam apenas parte da natureza humana. “A exaustão sempre esteve entre nós. O que muda na história são as causas e efeitos associados à exaustão”, afirma Schaffner à rede BBC. Na Idade Média era o “demônio do meio-dia”, e nos anos 1970 era o avanço do “capitalismo selvagem” explorando seus funcionários.
Entretanto, a autora não nega o papel exercido pelos e-mails, redes sociais e pelo stress da vida moderna que faz com que as pessoas exijam demais de si mesmas. “De muitas maneiras, tecnologias que foram feitas para economizar energia se tornaram fatores de estresse”, diz. O aumento da exigência no ambiente de trabalho também “se manifesta principalmente na ansiedade da performance, um senso de não ser bom o suficiente e de não fazer jus às expectativas”, que é outra fonte de stress e esgotamento.
Estudos recentes
Um estudo de médicos alemães mostrou que quase 50% dos médicos consultados aparentavam sofrer do chamado burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo ligado ao contexto ocupacional. Os participantes relatavam sentir cansaço o dia inteiro e que só de pensar em trabalho já tinham uma sensação de esgotamento.
Um dado interessante, apontado por uma pesquisa finlandesa, mostrou que homens e mulheres lidam com o esgotamento de maneiras diferentes: os funcionários homens com o problema tinham maior probabilidade de tirar licenças médicas do que mulheres na mesma situação.
Burnout x depressão e fadiga
Dado que a depressão também tende a envolver letargia e desmotivação, alguns estudos afirmam que o burnout é apenas uma definição para a mesma condição. Inclusive, Schaffner cita um artigo em um jornal alemão que classificava o burnout como uma “versão de luxo” da depressão para profissionais de ponta.
Em geral, porém, as duas condições são geralmente consideradas distintas. “Teóricos costumam concordar que a depressão envolve uma perda de autoconfiança ou até ódio e desprezo por si mesmo, o que não é o caso no burnout, onde a imagem de si mantém-se intacta. O ódio no burnout geralmente não se volta contra si, porém mais contra a organização para a qual a pessoa trabalha, ou contra o sistema sociopolítico ou econômico mais amplo”, diz a pesquisadora.
O burnout também não deve ser confundido com a síndrome da fadiga crônica, que envolve longos e dolorosos períodos de exaustão física e mental, de ao menos seis meses, com muitos pacientes descrevendo dor física nas menores atividades.
Causas
Na verdade, ainda não sabemos o que nos dá aquele sentimento de “energia” e como ela pode se dissipar de forma tão rápida sem esforço físico. Não sabemos se os sintomas nascem no corpo ou na mente, se são reflexo da sociedade ou do comportamento. Mas estudos já afirmam que nossos sentimentos e crenças podem ter uma influência profunda sobre o funcionamento do organismo.
“É difícil dizer se uma doença é puramente física ou mental, porque na maioria das vezes se trata das duas coisas ao mesmo tempo”, diz Schaffner.
Embora atualmente a maioria das pessoas com burnout recebam a sugestão de começar uma terapia cognitiva comportamental, Anna afirma que “as curas para a exaustão dependem da própria pessoa. Você tem de saber o que tira e o que dá energia”. E aconselha: “O importante é delimitar as fronteiras entre trabalho e lazer. Tais fronteiras certamente estão sob ameaça.”