Vieira, diarista de 38 anos, planejava ficar três anos no Reino Unido. O objetivo dela era mobiliar uma casa no Brasil e juntar dinheiro para cuidar da mãe e dos três filhos. Após comprar passagem com o prêmio de uma moto, ela chegou a Londres em fevereiro de 2024, mas agora, menos de um ano e meio depois, terá que desistir do plano.
Vieira foi alvo de uma denúncia, provavelmente feita por conhecidos da igreja que frequentava. Cerca de um mês atrás, agentes do Home Office, órgão responsável pela imigração no Reino Unido, bateram na porta da casa onde morava. Esse tipo de situação tem se tornado comum entre brasileiros no país, assim como o recurso ao pedido de asilo como alternativa para evitar a deportação.
Nos últimos dois anos, o número de brasileiros solicitando asilo no Reino Unido disparou. De acordo com o Home Office, entre março de 2024 e o mesmo mês de 2025, foram registradas 2,6 mil solicitações.
Desde 2023, a média anual de pedidos de asilo feita por brasileiros é de 2,4 mil. Em 2014, esse número era de apenas 21. Entre 2010 e 2020 a média anual ficava em torno de 74.
Somente em 2025, 691 brasileiros requereram asilo, sendo 52 deles crianças e adolescentes. Entre os 691 pedidos, 304 foram rejeitados por serem considerados “claramente infundados”. Até março de 2025, 2.179 brasileiros aguardavam na fila para decisão, com 1.1 mil esperando há mais de seis meses.
Endurecimento das políticas migratórias e seu impacto
O crescimento dos pedidos de asilo acontece simultaneamente ao rigor das políticas migratórias no Reino Unido, que tem dificultado a permanência de imigrantes com ou sem visto nas quatro nações do país.
Desde julho de 2024, o Partido Trabalhista, atualmente no governo, tem enfatizado a necessidade de controlar a migração. O objetivo declarado é reduzir a entrada de imigrantes e aumentar as deportações, que bateram recorde no último ano.
Segundo Mihnea Cuibus, pesquisador da Universidade de Oxford, o governo também diminuiu em 40% os pedidos de visto, realocou mil agentes para fiscalizar fronteiras e ampliou locais de detenção em 15%. Isso afetou muito os brasileiros, com aumento de 30% nas deportações recentes.
O pedido de asilo é uma das poucas opções para quem não tem visto válido conseguir permanecer legalmente. Outras possibilidades incluem residir no país por mais de 20 anos ou pedir com base na Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Cuibus explica que enquanto o pedido de asilo está sendo analisado, a pessoa pode permanecer no país. Muitas vezes, essa opção é o último recurso para os imigrantes.
Dificuldades enfrentadas nos pedidos de asilo
Vieira não estava em casa quando apareceram os agentes do Home Office e teve que se esconder na casa de uma amiga. Ela considerou pedir asilo, pois essa opção é muito divulgada em grupos da comunidade brasileira no Reino Unido como forma de conseguir ficar no país.
Na prática, a maioria dos pedidos de asilo feitos por brasileiros tem resultado em rejeição. Desde 2001, apenas 40 brasileiros tiveram o pedido aceito. Entre março de 2024 e março de 2025, 18 tiveram aprovação, enquanto 1.492 foram negados.
O Brasil é o segundo país com maior número de pessoas forçadas a sair do Reino Unido após tentativas de asilo no ano passado, com 299 deportações. Outros 14 brasileiros que já haviam pedido asilo foram impedidos de entrar no país.
Para conseguir asilo, o solicitante precisa provar que não pode retornar ao Brasil por medo de perseguição baseada em raça, religião, nacionalidade, opinião política ou orientação sexual. Também deve mostrar que o país não oferece proteção adequada.
Durante a análise do pedido, o requerente recebe o Cartão de registro de Solicitação (ARC), que apenas comprova o pedido, mas não garante a permanência.
Guilherme Barbosa, advogado de imigração com quase 20 anos no Reino Unido, alerta que muitos brasileiros acreditam erroneamente que o ARC garante o direito de ficar no país.
Francine Mendonça, especialista em imigração, destaca que o custo de um processo de asilo com advogado pode chegar a 4 mil libras, mas há quem cobre valores muito menores, prometendo resultados que não existem, colocando os requerentes em risco.
Vieira chegou a consultar um advogado, que a aconselhou a não fazer o pedido de asilo, afirmando que com uma denúncia contra ela, seria impossível conseguir.
Apoio e retorno
O Itamaraty autorizou o Consulado-Geral em Londres a negociar com o Home Office para os voos de retorno dos brasileiros, em coordenação com a Embaixada do Brasil. O Brasil também ajuda financeiramente o retorno de cidadãos e tem parceria com a Organização Internacional para Migrações nesse sentido.
Vieira lamenta não poder ficar. Ela está retornando ao Brasil com pares de tênis para os filhos, livros para continuar estudando inglês e a esperança de um dia voltar à Europa.
A reportagem faz parte do workshop Cambiar la Mirada. Nuevas narrativas sobre migración, em parceria com Factual, ONU-Direitos Humanos, Universidade Autônoma de Barcelona e CER-Migracions. Para acessar outros conteúdos semelhantes, visite o site do parceiro DW.