Número de solicitações de retorno foi recorde em 2022; desemprego, inflação e preço dos aluguéis estão por trás do fenômeno
Desemprego ou emprego precário, aluguéis caros e inflação de 30% da cesta básica em um ano e burocracia do governo português: uma combinação de fatores levou os brasileiros em Portugal a bater o recorde de pedidos para voltar ao país de origem em 2022.
Em 2022, 913 brasileiros se inscreveram no programa de retorno voluntário Árvore, da Organização Internacional para as Migrações. E 350 conseguiram apoio financeiro para voltar ao Brasil. São 17 a mais que em 2020, ano da explosão da pandemia de Covid-19.
Chefe da missão em Lisboa do programa Árvore, integrante do sistema da ONU, Vasco Malta enumerou os principais motivos dos pedidos para voltar. Segundo ele, os brasileiros incluíram na lista a dificuldade de obter uma autorização de residência.
— Há uma mistura entre falta de acesso ao emprego, dificuldade das condições econômicas e da regularização. No universo dos cidadãos brasileiros em Portugal, que é bastante grande, para nós, é um número significativo (o de inscritos no ano passado). Entre as pessoas que nos procuram, cerca de 80% são brasileiras — disse Malta.
Vida pela metade
Sem autorização de residência emitida pelo governo, o imigrante vive uma vida pela metade. Em tempos de inflação, especulação imobiliária e disputa acirrada de empregos, o brasileiro sem documentos dificilmente consegue arrumar um bom trabalho e alugar um imóvel decente no Porto ou e em Lisboa.
As condições de habitação dos imigrantes viraram discussão nacional após dois indianos morrerem em um incêndio num apartamento na Mouraria, no coração de Lisboa. O imóvel estava superlotado de imigrantes e não apresentava condições de segurança.
As estimativas do Ministério da Administração Interna, que controla o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), são de que há cerca de 150 mil imigrantes à espera da regularização. A maioria é de brasileiros que conseguiram algum trabalho, mesmo que autônomo, contribuem para a Previdência Social e pagam impostos. Mas têm direitos limitados e, sem documento, são vistos como potenciais problemas por proprietários de imóveis e empregadores, que até se recusam a recebê-los em uma entrevista.
Apesar de ser um número pequeno diante dos 555 mil brasileiros no país, os 350 brasileiros que voltaram com a ajuda do Árvore levaram Malta a disparar um alerta para os que planejam emigrar para Portugal.
— Venham informados. Isto significa que a pessoa ou família que decidir emigrar deverá preparar, estudar, procurar saber qual a realidade que vai encontrar. É fundamental que as famílias decidam sempre com base em fatos para que o processo migratório corra bem — afirmou.
Cerca de 9 mil brasileiros já fizeram cadastro no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para emigrar a Portugal com o novo visto e procurar trabalho. O visto é uma das medidas recentes do governo para ordenar a entrada de imigrantes no país, que vive uma crise de mão de obra.
Regularização
Nas últimas semanas, Portugal despertou para o problema da regularização e da dificuldade de obter um visto e criou medidas emergenciais. Mas algumas são paliativas, como a extensão por decreto até o fim do ano das autorizações vencidas desde 15 de dezembro.
Em janeiro, o governo abriu a renovação automática de 21,5 mil autorizações, a maioria de brasileiros, vencidas no primeiro trimestre. Nem todos que têm documentos expirados neste período foram abrangidos, no entanto.
Ontem, o governo apresentou a nova plataforma de regularização automática para brasileiros e africanos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Estará disponível segunda-feira pela manhã e atenderá, na primeira fase, aqueles com processo em andamento e têm contrato de trabalho.
Milhares de brasileiros aguardam na fila do agendamento do SEF para o reagrupamento familiar, autorização de residência a parentes de estrangeiros residentes e europeus. A última abertura de vagas foi há quatro meses. Superlotado de pedidos e sem estrutura, o SEF está perto do fim. O governo adiou duas vezes a medida, que deverá acontecer em três semanas. Dará lugar a uma nova agência de imigração.