O jornalista investigativo Seymour Hersh é tido como um dos maiores nomes da imprensa americana. Ganhou o prêmio Pulitzer – o mais prestigioso prêmio concedido a jornalistas em todo mundo – ao denunciar o massacre de May Lai durante a Guerra do Vietnã (quando tropas americanas mataram centenas de civis vietnamitas). Foi também ele que tornou públicas as torturas a prisioneiros praticadas por oficiais americanos na prisão de Abu Ghraib em 2004. No último domingo, (10), Hersh escreveu, novamente, que o governo americano mentiu. Segundo uma longa reportagem de Hersh publicada na London Review of Books, a versão que conhecemos da captura e morte de Osama Bin Laden foi forjada pela administração Obama.
A história oficial conta que, em 2011, fuzileiros navais dos EUA invadiram o esconderijo de Bin Laden no Paquistão. A ação teria deixado contrariadas as autoridades paquistanesas. Durante um enfrentamento, Bin Laden foi morto a tiros e seu corpo sepultado no mar. Hersh afirma que essa versão é mentirosa. Segundo ele, a administração Obama mentiu para colher vantagens políticas dessa operação. Hersh também afirma que, quando os americanos mataram Osama, o líder terrorista já era um idoso desarmado que fora mantido prisioneiro pelos paquistaneses por anos.
Para fazer essas acusações, Hersh se vale de duas fontes militares, ambas aposentadas. Uma delas é um militar americano que, segundo o jornalista, teve acesso a informações sobre o paradeiro de Osama. A outra é o general Asad Durrani, quadro aposentado do exército do Paquistão.Outras duas fontes são citadas: dois consultores militares que não quiseram ser identificados. Essas pessoas afirmam que:
1- Bin Laden foi prisioneiro dos paquistaneses por anos, e era usado como uma forma de chantagear a Al Qaeda na região.
2-Osama foi capturado pelos paquistaneses em 2006, e mantido prisioneiro com ajuda da Arábia Saudita
3- O governo do Paquistão cedeu Osama aos americanos por US$25 milhões, como uma forma de manter boas relações com o governo Obama. Os paquistaneses também, segundo as fontes de Hersh, concordaram em colaborar com a Casa Branca ao corroborar a versão de que Osama foi morto durante um ataque a seu esconderijo em Abbottabad.
4- Depois de morto, em lugar de ser enterrado no mar, o corpo de Osama foi atirado na cordilheira Indocuche, entre o Paquistão e o Afeganistão.
5- Toda a rodada de interrogatórios e torturas para obter informações quanto ao paradeiro de Osama, mostrado inclusive no filme A Hora mais escura, não passa de mentira.
A publicação do artigo de Hersh foi seguida por controvérsia na imprensa americana. Primeiro, porque o texto foi recusado pela revista The New Yorker, publicação com a qual Hersh colabora regularmente desde 1993. Segundo especulações do site Quartz, isso ocorreu porque a reportagem contrariava um texto publicado na The New Yorker em 2011. Escrita pelo jornalista Nicholas Schmidle, filho de um general americano, a reportagem de 2011 ficou famosa pela riqueza de detalhes – que só poderiam ser fornecidos por pessoas que participaram da operação de captura. Meses depois de publicada, a revista assumiu que o jornalista não falara com nenhum dos militares responsáveis pela captura de Osama, e que se valera de depoimentos de terceiros.
O trabalho de Hersh também gerou polêmica porque, segundo críticos, apresenta evidências frouxas para amparar uma acusação séria. Suas fontes são anônimas ou já aposentadas. Como no artigo de Schmidle, nenhuma delas teve contato direto com o ocorrido. Além disso, pesa contra a reportagem a imagem ruim que Hersh construiu nos últimos anos. No site Vox, o jornalista Max Fisher diz que, de jornalista investigativo respeitado, Hersh passou a ser visto pelos seus pares como um repórter paranoico, afeito a teorias da conspiração. Ele já escreveu que as Forças Especiais dos Estados Unidos são domínio da Opus Dei, que o governo americano levou terroristas iranianos para ser treinados em Nevada e que o ataque com armas químicas na Síria em 2014 foi, na verdade, responsabilidade do governo turco.
Fisher também aponta que, segundo Hersh, os paquistaneses concordaram em entregar Osama aos americanos em troca de maior ajuda militar. Os acontecimentos posteriores a 2011 contrariam essa teoria, uma vez que a cooperação militar americana no país diminuiu. A descrição de Abbottabad feita por Hersh também contraria os depoimentos de outros jornalistas que visitaram o local após a operação militar, e que dizem ter encontrado evidências de um combate.
Em um comunicado, a Casa Branca definiu a reportagem como inconsistente. “Há muitas incorreções e afirmações sem base para que apontemos os erros um a um”, disse o porta-voz da Casa Branca Ned Price. “Como dissemos, o conhecimento dessa operação ficou restrito a um círculo muito pequeno de altos oficiais americanos. Já de saída, o presidente Obama decidiu não informar nenhum outro governo, incluindo o do Paquistão, que não foi notificado até depois do fim da operação”, disse Price.