GUSTAVO ZEITEL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Operação Contenção, considerada a mais letal da história do Brasil, rapidamente ganhou destaque político. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), celebrou publicamente o suposto êxito da ação policial nos complexos da Penha e do Alemão, no norte da capital fluminense, que resultou em 121 mortos e 113 presos.
Líderes de direita reagiram rápido ao ocorrido na terça-feira (24). Governadores se reuniram com Castro duas vezes e criaram o chamado Consórcio da Paz para enfrentar o crime organizado. Com as eleições a menos de um ano, especialistas em segurança pública apontam que a Operação Contenção pode atrair votos para o campo conservador.
Esse movimento representa uma nova fase para a direita, especialmente após a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Mesmo com amplo apoio popular, o episódio reacende a imagem do Rio de Janeiro como um lugar violento.
“Violência gera apoio político. Quem vive sob ameaça tende a votar em quem promete ação rápida”, explica Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Há décadas, a guerra contra o crime é usada para ganhar eleições na cidade. Foi uma estratégia de marketing político que favoreceu o bolsonarismo”, acrescenta.
A operação, focada no Comando Vermelho, resultou na morte de quatro policiais e não conseguiu capturar Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca, líder da facção.
Para Muniz, a emboscada não foi eficaz e não seguiu os protocolos policiais. Contudo, a história mostra que discursos firmes contra o crime tendem a gerar bons resultados eleitorais.
Nos anos 1990, José Guilherme Godinho, conhecido como Sivuca, foi eleito deputado estadual com o lema “bandido bom é bandido morto”. Ele também teve ligação com grupos de extermínio que originaram as milícias.
Em 2018, o então candidato a governador Wilson Witzel prometeu combate rigoroso ao crime, com o slogan de “mirar na cabecinha e… fogo”. No mesmo ano, Bolsonaro usou um discurso militarista e o bordão “CPF cancelado” em sua campanha presidencial.
A postura autoritária atraiu eleitores não apenas no Rio, mas também em São Paulo, onde o deputado estadual coronel Ubiratan, responsável pelo Massacre do Carandiru em 1992, foi eleito com o número 111, refletindo o número de vítimas da chacina.
Frederico Castelo Branco, pesquisador da USP, aponta que a operação ressoa com o sentimento punitivista da população. Pesquisa Datafolha revelou que 57% dos cariocas aprovaram a ação.
“Esse é um momento em que o bolsonarismo pode se rearticular no debate político, principalmente com Bolsonaro condenado e o presidente Lula em alta”, destaca. Em 2026, Castro é considerado um possível candidato ao Senado, enquanto outros governadores de direita podem disputar a Presidência.
Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da UFF, concorda com a tese de rearticulação da direita e critica o governo federal por uma reação tímida e sem condenação clara ao ocorrido. “Lula se manifestou com cautela sobre a operação”, afirma.
O Consórcio da Paz, formado pelos governadores de direita, surge como oposição ao governo petista. Em resposta, o Planalto divulgou um vídeo destacando a importância do combate ao crime organizado com inteligência. No ano passado, a segurança foi tema prioritário para os eleitores do Rio e São Paulo, segundo o Datafolha.
Daniel Hirata, cientista social e autor, afirma que o tema da segurança deve continuar em evidência nas próximas eleições, especialmente após o episódio no Rio. Ele ressalta que o controle dos territórios precisa ser debatido pelos candidatos, pois a proposta da PEC da Segurança do governo não oferece soluções práticas.
Ele também destaca que a adesão popular a operações letais está ligada a um sentimento de desamparo. “A violência institucional é historicamente usada para ganhos políticos. As classes médias apoiam a brutalidade por conta do racismo e classismo”, explica. Outros fatores mencionados são os legados da escravidão e da ditadura.
Imagem do Rio de Janeiro
Se a violência beneficia politicamente alguns, ela também traz prejuízos para a cidade. Além dos impactos no turismo e na economia, a megaoperação reforçou a percepção do Rio como uma cidade refém da violência, uma imagem predominante nos anos 1990.
Antonio Herculano Lopes, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, afirma que a imagem do Rio passa por crises cíclicas, mas a brutalidade persiste, influenciando relações sociais. Para ele, há duas formas de lidar com a violência: a sublimação, criando representações simbólicas para enfrentar a brutalidade, e o justiçamento, que se manifesta pelo desejo por governos durões diante da criminalidade descontrolada.
A busca por governos rígidos aumenta depois de operações que resultam em muitas mortes.
“Grande parte da classe média quer distância da pobreza e da favela e deseja que a violência seja controlada com mão firme”, conclui Lopes.
