Uma coisa é fato: a história da diplomacia brasileira sempre teve como norte a negociação e o diálogo diante de conflitos — em outros tempos nem tão remotos assim, tentava, inclusive, agir como uma mediadora para que países chegassem a um denominador comum em suas resoluções.
“Nos últimos anos, a política externa brasileira tenta se manter neutra quando o assunto é um conflito. É claro que nos últimos anos do governo de Jair Bolsonaro algumas questões da política externa brasileira ficaram um pouco confusas para serem analisadas de forma mais precisa. Mas, dado que até o momento o Brasil não se posicionou com relação a esse pedido de maneira formal, acho improvável dado o histórico do país de não se envolver”, avalia Gama.
Então quais são as hipóteses?
“Essa questão de a Alemanha ter procurado justamente o Brasil é estranha. Mas, analisando um pouco mais de perto, alguns anos atrás, quando o Brasil comprou os blindados Gepard da Alemanha, logo depois tentou revender esses blindados porque são basicamente sucata. É um modelo muito antigo que a Alemanha já deixou de usar, e o Brasil começou a tentar revendê-lo. Conseguiu vender alguns para o Catar, mas ainda temos muitos aqui. É um gasto a mais para os militares. É possível que isso seja uma questão de que o Brasil tem blindados dos quais está tentando se livrar há alguns anos. Então talvez eles queiram se livrar agora. É uma possibilidade simples, um pensamento lógico [por parte da Alemanha], de estar precisando dos blindados e de munições, de o Brasil não os estar utilizando, então é um ganho para os dois lados”, reflete a especialista.
“Vir até o Brasil para fazer esse pedido continua soando estranho quando pensamos somente em termos logísticos. Por que não negociar com a Romênia, que é mais próxima de ambos os países? O que a Alemanha quer negociar com o Brasil pode ser uma aproximação maior ou pode ser simplesmente uma tentativa política, não só logística, de alienar a Rússia. Porque caso o Brasil coopere nesses esforços de guerra do Ocidente, ao lado dele, para serem usados contra a Rússia, isso geraria um problema dentro do BRICS. Seria mais uma tentativa do Ocidente de isolar a Rússia, trazendo o Brasil para mais perto, tendo em vista que Bolsonaro apoiou a Rússia em fevereiro, declarando seu apoio”, aponta a pós-doutoranda da ECEME.
“Como a Alemanha vai se dar ao luxo de entrar em uma possível recessão reforçando a ajuda à Ucrânia se depende tanto da Rússia? São muitas questões que estão imbricadas dentro de um cenário muito complexo. Talvez exista um componente não apenas logístico como também político, uma agenda política dentro desse pedido da Alemanha ao Brasil”, conclui Gama.