LAIZ MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Uma pesquisa realizada pela USP (Universidade de São Paulo) revelou uma combinação de medicamentos que pode ser mais eficiente para curar e controlar os sintomas da hanseníase, uma doença crônica infecciosa que anteriormente era chamada de lepra. O estudo, publicado na Revista Brasileira de Doenças Infecciosas, comparou esse novo tratamento com o método padrão aplicado pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Os cientistas testaram a combinação de quatro antibióticos: rifampicina, moxifloxacina, claritromicina e minociclina, batizada de Rimoxclamin. No Brasil, o tratamento tradicional é a poliquimioterapia única recomendada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), também baseada no uso de antibióticos.
O estudo envolveu 66 pacientes diagnosticados com hanseníase entre 2015 e 2023. Destes, 46 foram tratados com a nova combinação e 20 com o tratamento convencional. Ambos os tratamentos têm duração aproximada de 12 meses.
Conforme o dermatologista Marco Andrey Cipriani Frade, professor da USP Ribeirão Preto e presidente da SBH (Sociedade Brasileira de Hansenologia), o objetivo foi aumentar a ação bactericida contra o Mycobacterium leprae, bactéria causadora da hanseníase.
“O tratamento tradicional utiliza apenas a rifampicina como droga bactericida, junto com dapsona e clofazimina, que atuam mais lentamente contra a bactéria”, explica Frade. “Já o Rimoxclamin emprega três antibióticos com forte efeito bactericida nos primeiros meses, acelerando a resposta clínica.”
A pesquisa indicou que o Rimoxclamin proporcionou uma recuperação mais rápida dos danos nervosos, especialmente na sensibilidade das mãos e dos pés, com melhoras perceptíveis já aos três meses.
Além disso, houve uma redução mais significativa do espessamento dos nervos, uma consequência da inflamação, no grupo que recebeu o novo tratamento. Enquanto no grupo do Rimoxclamin esse sinal diminuiu de 65% para 28% em seis meses, no grupo da poliquimioterapia convencional a redução foi de 95% para 40%, mas apenas após um ano.
Outro destaque foi a diminuição precoce dos sintomas como dormência e formigamento com o novo tratamento, algo que não ocorreu no grupo que seguiu o método padrão, segundo Frade.
O novo esquema também apresentou melhor tolerância, com 52% dos pacientes apresentando efeitos colaterais leves, contra 85% no grupo com o tratamento tradicional, que geralmente sofreram efeitos como dor abdominal, fadiga e mal-estar, causando substituição do tratamento em alguns casos.
Frade menciona que o objetivo do Rimoxclamin é substituir antibióticos mais tóxicos por outros com ação bactericida mais potente e perfil de segurança melhor, pois a dapsona e clofazimina podem causar efeitos adversos sérios como anemia hemolítica e síndrome de hipersensibilidade, prejudicando a adesão e qualidade de vida dos pacientes.
Embora o novo tratamento ainda não esteja disponível no SUS, o Ministério da Saúde já iniciou a revisão do protocolo clínico para hanseníase, e a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) está analisando a incorporação do Rimoxclamin como opção primeira linha.
Uma tese de doutorado da USP, defendida por José Marcelo de Castro sob orientação de Frade em 2019, avaliou os custos sociais da hanseníase no Brasil, revelando que entre 2000 e 2019 foram gastos cerca de US$ 925 milhões em benefícios do INSS para pessoas afetadas pela doença, valores que compensaram apenas as perdas funcionais para essas pessoas.
Grande parte desses benefícios foi concedida na região Sudeste, enquanto estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste registraram mais da metade dos novos casos, regiões com menos recursos para controle da hanseníase.
O Brasil é o segundo país com mais casos da doença no mundo, atrás da Índia. Em 2023, foram cerca de 22.773 novos pacientes no país, correspondendo a aproximadamente 12,5% do total global, segundo informações do Ministério da Saúde e da OMS.
Diagnóstico precoce ainda é um desafio
De acordo com o dermatologista Lucas Giordani, do Hospital Santa Paula, a bactéria que causa a hanseníase se multiplica lentamente, o que significa que seus sintomas podem demorar anos para aparecer. A transmissão ocorre principalmente por contato próximo e prolongado com pessoas infectadas.
“Mesmo assim, a maioria das pessoas expostas não desenvolve a doença, demonstrando que a resposta imunológica da população é eficaz na maioria dos casos”, afirma Giordani.
O diagnóstico é feito com base em exame clínico, observando lesões na pele e palpando nervos, mas normalmente exames complementares como biópsias e ultrassonografias são necessários para confirmar o diagnóstico e guiar o tratamento.
Os sinais mais comuns incluem manchas na pele com perda de sensibilidade ao calor, dor e toque. Casos avançados podem apresentar nódulos, descamação e dor. Se não for tratada rapidamente, a hanseníase pode causar deformidades, como colapso do nariz e alterações nos membros.
Giordani alerta que, embora os casos mais graves sejam menos frequentes hoje, eles continuam ocorrendo com certa regularidade.