Saneamento básico: pequenos municípios não têm investimentos suficientes

O novo marco regulatório de saneamento básico continua sendo motivo de discordâncias

(foto: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press)

A situação de municípios pequenos com a aprovação do novo marco regulatório de saneamento básico continua sendo motivo de discordâncias. O projeto, que já passou pela Câmara dos Deputados e está no Senado Federal, deve começar a tramitar nas próximas semanas. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já havia falado sobre a intenção de votá-lo após recesso de carnaval. Um dos principais pontos da matéria é a abertura para maior participação da iniciativa privada e o fim da possibilidade de contrato de programa (firmado entre entes públicos, como uma prefeitura e uma estatal, sem a necessidade de licitação).

Com isso, a polêmica ficou em torno da viabilidade do atendimento de municípios pequenos, que poderiam ser menos atrativos para empresas privadas. No modelo atual existe o chamado financiamento cruzado. Então, em uma unidade federativa onde a estatal detém o sistema de saneamento na maior parte dos municípios, o lucro obtido nas cidades maiores serve para financiar a expansão e abastecimento do serviço nos municípios menores e nas periferias (e para manter a tarifa uniforme). Com a abertura para empresa privada, não haveria  essa garantia.
No texto do projeto, entretanto, com a tentativa de solucionar o problema, foi incluída a criação de blocos de municípios: ou seja, a junção de cidades vizinhas, que farão uma mesma licitação e terão o serviço prestado por uma mesma empresa. A separação por blocos seria feita pelos estados, segundo a proposta. A ideia, então, é que mesmo cidades pequenas estejam juntas com outras, tornando-se atrativas para a iniciativa privada.
Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), seção Distrito Federal (DF), Sérgio Gonçalves diz ver a possibilidade do fim do subsídio cruzado como um problema e um risco para municípios pequenos, mesmo com a  proposta de blocos. “O município que não conseguir investimento, o estado vai ter que entrar (com recursos). A gente vai cair em um problema sério”, afirma. Gonçalves cita como exemplo obras caras para levar água a comunidades remotas. Para ele, empresas privadas não terão interesse de investir milhões para a construção de uma adutora, por exemplo, que forneceria água para uma comunidade de apenas 400 habitantes. “O estado vai acabar tendo que entrar com dinheiro”, critica Gonçalves.
Supervisora do Núcleo de Desenvolvimento Territorial da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Cláudia Lins diz ver a questão do subsídio como um ponto delicado. Para ela, a criação de blocos pode ser a solução para algumas regiões, mas não para todo o país. Cláudia pontua que a iniciativa privada deve ter interesse principalmente nos blocos mais rentáveis. “O estado terá condições de assumir (os outros blocos)?”
Diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto afirma que a questão de investimento em municípios pequenos foi superada com a criação da proposta dos blocos regionais. De acordo com ele, isso garantirá investimento em cidades pequenas. Soares refuta a ideia de que empresas privadas não têm interesse em municípios pequenos. Para rebater esse argumento, ele menciona um estudo da Abcon, segundo o qual 58% das concessões privadas do serviço de água e esgoto estão em municípios com menos de 20 mil habitantes. “Dizer que não haverá operação privada em município pequeno não é verdade”, sustenta. “Os municípios pequenos têm na regionalização a saída para manter economia de escala”, completa.
Com 1,7 milhão de habitantes, Rondônia é o estado brasileiro com menor cobertura de saneamento básico: só 4,9% da população possui rede de esgoto. Existem municípios inteiros, segundo dados do Agência Nacional de Águas (Ana), sem a infraestrutura, como é o caso de Mirante da Serra, com 10,9 mil pessoas. O prefeito Adinaldo de Andrade afirmou que existe um convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), mas que o processo vinha se arrastando. Segundo ele, entretanto, as obras serão feitas agora. “Queremos começar em 30 a 60 dias”.
Uma notícia de 2015 no site do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que houve uma representação a respeito de possíveis irregularidades em um edital de licitação para implantação do sistema de esgotamento sanitário no município, com valor de aproximadamente R$ 20 milhões. Na ocasião, uma empresa informou que haveria exigências supostamente ilegais no edital. O TCU, então, considerou que as exigências configuravam restrição à competitividade do certame, e determinou que o município anulasse a concorrência. Segundo o prefeito, que assumiu a prefeitura em 2017, a cidade chegou a perder o convênio após a suspensão do certame, mas conseguiu uma liminar na Justiça, obtendo os recursos de volta. Há seis meses, de acordo com ele, saiu o resultado de novo certame e agora será possível realizar as obras.
A reportagem tentou contato com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da matéria, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno.
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Verbas federais só em blocos de cidades
Um dos pontos do projeto que gerou amplo debate é relativo à obrigatoriedade de permanência nos blocos de cidades. Anteriormente, essa adesão era compulsória, mas passou a ser opcional. Assim, cada município escolhe se fará ou não parte do bloco, algo que era reivindicação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que defende autonomia municipal. Porém, o investimento federal foi condicionado à adesão ao bloco – ou seja, só terá recurso da União o município que estiver nos grupos de localidades a serem atendidas. Cláudia Lins, da CNM, afirma que o governo municipal que se recusar a participar dos blocos deve estar convencido de que poderá investir de forma autônoma em saneamento, e pontua que é importante que o município mantenha a possibilidade de escolha. “Nossa preocupação é que a autonomia municipal seja respeitada”.
Como a integração ao bloco é opcional, é possível que em um bloco haja vários municípios pequenos e um grande, por exemplo, e que este não manifeste interesse de integrar o bloco – que sem a grande cidade, se tornaria menor e menos robusto.
Se o projeto for aprovado sem mudança no Senado, segue para sanção presidencial. Caso contrário, volta para a Câmara. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já manifestou a intenção de trabalhar para que não haja mudanças de mérito e que, desta forma, o projeto não tenha que retornar para a Câmara. Pelas informações repassadas por entidades envolvidas, entretanto, é possível perceber que alguns pontos ainda não têm consenso e que o assunto ainda deverá ser amplamente debatido.
O projeto prevê que os contratos firmados, com empresas privadas ou públicas, devem respeitar o compromisso com metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033. Nesta data, 99% da população deverá ser abastecida com água tratada, e a coleta e tratamento de esgoto necessitará atender a 90% da população. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), divulgados no fim do ano passado, apontam que cerca de 53,2% da população brasileira é atendida por rede de esgoto – ou seja, metade vive sem sistema de saneamento.
Renovação de contratos até 2022
Depois de muito debate, o projeto incluiu uma alteração que permite até o dia 31 de março de 2022 que sejam renovados os atuais contratos de programa por mais 30 anos. Isso porque, atualmente, as companhias estaduais podem firmar contratos com prefeituras (que detêm o controle sobre os serviços) sem a necessidade de licitação – porque são entes públicos. O texto do marco, entretanto, torna compulsória a abertura de processo licitatório. Percy afirma que este prazo foi uma concessão feita a alguns governadores para que o projeto pudesse andar. Ele critica a medida, dizendo entender que isso é postergar a solução. “Não vai contribuir, só vai atrasar. Mas é o preço a ser pago”, disse.
Sérgio Gonçalves afirma que a discussão do marco ficou em torno da abertura para a iniciativa privada, tornando-se uma questão mais econômica do que de saneamento. “Reduziu o saneamento a um assunto econômico. A discussão econômica é importante, mas não pode reduzir a uma pauta econômica como se o saneamento fosse mercadoria”.  Para ele, o projeto apenas instala a competição no setor. “Não diz que tem que contratar o privado. Diz que o público tem que ser competitivo”, comenta, pontuando que existem excelentes empresas estatais no país. “Vai ter competição, o que vai levar à eficiência. Pode ganhar a pública ou a privada”.
Verbas federais só em blocos de cidades
Um dos pontos do projeto que gerou amplo debate é relativo à obrigatoriedade de permanência nos blocos de cidades. Anteriormente, essa adesão era compulsória, mas passou a ser opcional. Assim, cada município escolhe se fará ou não parte do bloco, algo que era reivindicação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que defende autonomia municipal. Porém, o investimento federal foi condicionado à adesão ao bloco – ou seja, só terá recurso da União o município que estiver nos grupos de localidades a serem atendidas. Cláudia Lins, da CNM, afirma que o governo municipal que se recusar a participar dos blocos deve estar convencido de que poderá investir de forma autônoma em saneamento, e pontua que é importante que o município mantenha a possibilidade de escolha. “Nossa preocupação é que a autonomia municipal seja respeitada”.
Como a integração ao bloco é opcional, é possível que em um bloco haja vários municípios pequenos e um grande, por exemplo, e que este não manifeste interesse de integrar o bloco – que sem a grande cidade, se tornaria menor e menos robusto.
Se o projeto for aprovado sem mudança no Senado, segue para sanção presidencial. Caso contrário, volta para a Câmara. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já manifestou a intenção de trabalhar para que não haja mudanças de mérito e que, desta forma, o projeto não tenha que retornar para a Câmara. Pelas informações repassadas por entidades envolvidas, entretanto, é possível perceber que alguns pontos ainda não têm consenso e que o assunto ainda deverá ser amplamente debatido.
O projeto prevê que os contratos firmados, com empresas privadas ou públicas, devem respeitar o compromisso com metas de universalização a serem cumpridas até o fim de 2033. Nesta data, 99% da população deverá ser abastecida com água tratada, e a coleta e tratamento de esgoto necessitará atender a 90% da população. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), divulgados no fim do ano passado, apontam que cerca de 53,2% da população brasileira é atendida por rede de esgoto – ou seja, metade vive sem sistema de saneamento.