Caio Spechoto e Catia Seabra
Brasília, DF (FolhaPress)
Membros do governo Lula (PT) e do partido do presidente planejam aproveitar a discussão sobre a cobrança de impostos como forma de confronto com a oposição.
Um acompanhamento realizado pelos petistas indicou que o tema pode gerar um engajamento raro da esquerda nas redes sociais, mesmo com a pressão proveniente do Congresso e do setor empresarial.
Os líderes do PT reforçaram recentemente a ideia de que é viável conquistar parte significativa do eleitorado sustentando que o governo visa promover justiça social ao propor que os mais abastados e grandes empresas contribuam com maiores impostos para financiar políticas públicas e benefícios, como a isenção do Imposto de Renda para os mais pobres.
Os petistas reconhecem que essa tática pode aumentar a tensão do governo com as lideranças políticas e econômicas. Lula inicialmente expressou preocupação com essa possível consequência, mas depois passou a valorizar a defesa da cobrança sobre os mais ricos em favor dos mais necessitados.
Essa estratégia já se mostrou presente recentemente. Figuras importantes do partido e do governo, inclusive o próprio Lula, emitiram declarações públicas nesse sentido.
“O IOF do Haddad não é algo grave”, afirmou Lula em entrevista ao podcast Mano a Mano, divulgada em 19 de maio. Ele defendeu o conceito de “justiça tributária”: aqueles que ganham mais deveriam arcar com mais impostos que os que ganham menos.
“Estamos cobrando dos setores que lucram muito e pagam pouco. As bets pagam 12%, queremos 18%. Eles ganham bilhões, bilhões e não querem colaborar. As fintechs são quase bancos atualmente, e não querem pagar. Essas batalhas precisam ser travadas, não podemos ceder sempre”, declarou o presidente.
A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) também comentou que as medidas econômicas propostas são fundamentais para assegurar o equilíbrio fiscal e reduzir a desigualdade social.
“São essenciais para corrigir as desigualdades de um sistema que isenta rendimentos financeiros e tributa até 27,5% uma professora primária. Precisamos desse debate aberto, e o Brasil só tem a ganhar com a transparência”, disse Gleisi.
Lula e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) enfrentam pressão por terem aumentado o IOF para operações financeiras no fim de maio. O governo precisa ampliar a arrecadação para cumprir políticas fiscais sem cortar mais gastos.
Houve um ajuste na elevação do IOF, negociado por Haddad, combinado com outras propostas, como o fim da isenção para investimentos incentivados e o aumento de impostos para bets, fintechs e juros sobre capital próprio.
Ainda assim, a Câmara aprovou um requerimento para agilizar proposta que anula as mudanças no IOF, indicando uma derrota ao governo.
Os petistas notaram um movimento nas redes a partir da semana passada. Em 11 de maio, Haddad participou de audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, sendo duramente questionado por bolsonaristas sobre a política fiscal.
Houve embate com os deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG). O ministro respondeu com firmeza, chamando a oposição de irresponsável.
Segundo petistas, o monitoramento revelou alto engajamento das ideias do ministro naquele dia, incomum para debates fiscais da esquerda nas redes, onde a direita predominava.
Um estudo encomendado pela Folha à consultoria Bites indicou que a participação de Haddad na comissão deu nova energia à esquerda online, embora sem igualar a atuação da direita.
Das 50 postagens mais engajadas sobre aumento de impostos e o confronto entre Haddad e Nikolas, 31 foram favoráveis ao bolsonarismo. A direita prevaleceu, mas sem domínio absoluto.
Haddad conquistou 30 mil seguidores novos no Instagram e Facebook até 17 de maio, o melhor desempenho desde 2023.
“O que houve foi uma postura mais firme de Haddad defendendo o governo, o que trouxe apoio à esquerda. Geralmente a direita domina esses debates só”, comentou o diretor técnico da Bites, André Eler.
Haddad demonstrou entusiasmo após o embate na comissão. Aliados dizem que Lula acompanha as declarações dos ministros, apoiando discursos mais contundentes, como o de Haddad durante jantar em São Paulo.
Membros do governo incentivam os ministros a adotar um tom ainda mais firme. O presidente se queixa da falta de disposição de seus ministros para esse tipo de confronto.
Alguns ministros sugerem que Lula faça declarações mais duras para realinhar sua base à esquerda. Entretanto, o presidente recebe conselhos para evitar enfrentar o centrão diretamente, devido à necessidade de manter um mínimo de estabilidade no Parlamento.