Constituição proíbe emendas a seu texto durante ações como a decidida pelo governo; eventual suspensão temporária deve ser contestada no Supremo
A intervenção que o governo federal decidiu fazer na área da Segurança Pública do Rio de Janeiro suspenderá a votação da reforma da Previdência, prevista inicialmente para a próxima semana. Isso acontecerá porque a Constituição proíbe a aprovação da emendas ao seu texto – como é o caso da mudança nas aposentadorias – durante períodos de intervenção federal e estados de defesa e de sítio.
A regra está escrita no inciso 1º artigo 60: “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. A lógica é que, em momentos como esses, a ordem institucional está sob uma grave instabilidade, que torna inoportunas as alterações constitucionais. Essa é a primeira vez, desde a promulgação da carta magna em 1988, que uma medida como essa é decretada.
“A intervenção federal está prevista na Constituição, mas é tratada como uma medida de exceção. No caso do Rio de Janeiro, deve se justificar por sua terceira possibilidade, que é ‘pôr termo a grave comprometimento da ordem pública’. Decretar a intervenção é explicitar esse ‘grave comprometimento’ e estabelecê-lo como urgência até que acabe”, explicou Paulo Casseb, professor de Direito Constitucional do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP).
Desta forma, mesmo não tendo relação direta com a razão que provocou a intervenção, a reforma da Previdência, assim como qualquer outra que tenha caráter de emenda à Constituição, não pode ser deliberada para garantir a manutenção da estabilidade constitucional. Casseb disse não acreditar em uma alternativa estudada pelo governo, uma suspensão da medida, por um dia ou dois, para que o Congresso vote a reforma.
“A Constituição não chega a esse grau de detalhamento, mas uma suspensão é contra a lógica da medida. Se interviu, é porque era urgente. Se dá para suspender provisoriamente, é mesmo que dizer que o ‘comprometimento da ordem’ não é assim tão grave. É como se você dissesse para um paciente que o tratamento dele pode ser suspenso porque o médico vai entrar de férias”, argumentou o professor.
Assim, se o governo de fato decretar a intervenção e mantiver a intenção de aprovar a mudança nas aposentadorias, pode acabar acrescentando mais um item à sua lista de disputas judiciais, que já tem temas como o indulto de natal de 2017 e a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho.
“Certamente, uma suspensão teria a sua constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal [STF], justamente por não estar prevista na Constituição. Também teria um aspecto de inviabilidade prática, de como se desmontaria um aparato administrativo de intervenção para instituí-lo novamente em poucos dias”, concluiu.
A expectativa agora passa a ser pelos detalhes de redação do decreto, que deve ser divulgado pelo governo federal ainda nesta sexta-feira. No texto, Michel Temer deverá, obrigatoriamente, dizer por quanto tempo vai intervir no Rio de Janeiro, uma vez que a Constituição só autoriza essa medida de forma temporária. A decisão tem validade imediata, mas pode ser derrubada posteriormente pelo Legislativo.
Diante da dificuldade em fazer uma suspensão temporária, uma intervenção federal com validade até o final de 2018 poderia representar o início de uma desistência do governo Temer de fazer a reforma da Previdência, proposta que elegeu como sua pauta política desde o ano passado.