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sábado, 12/07/2025

Índio reviva saberes antigos sobre plantas medicinais

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Uma pesquisa pioneira realizada pelo etnobotânico Hemerson Dantas dos Santos, indígena Pataxó Hãhãhãi, tem contribuído para recuperar práticas tradicionais de cura que estavam sendo esquecidas entre os Pataxó Hã-Hã-Hãi, povo indígena do sul da Bahia.

O estudo compilou conhecimentos passados por anciãos da comunidade, catalogou o uso de inúmeras plantas medicinais e culminou em um artigo científico publicado internacionalmente.

Atualmente doutorando pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Hemerson cresceu na Terra Indígena Caramuru-Paraguassu e escolheu transformar a tradição em ciência acadêmica. A pesquisa foi desenvolvida com a orientação da professora Eliana Rodrigues e publicada no Journal of Ethnobiology and Ethnomedicine em 17 de maio.

O principal objetivo era identificar tratamentos comunitários para três problemas comuns de saúde: verminoses, diabetes e hipertensão. O pesquisador catalogou 175 plantas medicinais, sendo que 43 são usadas para essas doenças específicas. Segundo a revisão científica, quase 80% dessas plantas têm eficácia comprovada na literatura especializada.

Dentre as mais mencionadas, estão o mastruz, indicado para vermes, o capim-cidreira, utilizado para controlar a pressão alta, e a moringa, empregada no manejo da diabetes. Apenas o mastruz é nativo do Brasil; os outros são espécies exóticas introduzidas no país ao longo do tempo.

Hemerson ressalta que isso evidencia o impacto do deslocamento forçado e da destruição ambiental enfrentada pelo povo indígena. “Encontrei poucas espécies nativas. Muitas plantas citadas pelos anciãos desapareceram da floresta”, afirmou em comunicado.

O estudo envolveu entrevistas com 19 especialistas indígenas reconhecidos por seus saberes em práticas curativas. A maioria tinha mais de 60 anos e compartilhou memórias sobre o emprego de plantas, a preparação de remédios e as transformações culturais recentes da comunidade.

Muitos curandeiros atualmente seguem o evangélico, substituindo rezas tradicionais por orações e passagens bíblicas, sem abandonar completamente a medicina ancestral.

Uma inspiração importante foi a anciã Dona Marta Xavier, conhecida por seu dom curativo e pelo conhecimento em ervas. Parteira por muitos anos, auxiliou no nascimento de boa parte das crianças da aldeia. Seu irmão, Aniraldo, também colaborou com o estudo. A região conta com um viveiro de plantas medicinais criado a partir do projeto.

Durante a pesquisa, Hemerson visitou as dez aldeias da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, acumulando mais de 240 dias de trabalho de campo. Morando na comunidade, teve acesso a práticas reservadas, como o uso de cantos e orações na fabricação de remédios.

“Foi uma imersão na minha história. Ouvir os mais velhos e registrar suas memórias me permitiu conhecer aspectos desconhecidos do meu povo”, afirma.

A pesquisa adotou a abordagem etnobotânica participativa, idealizada pela orientadora Eliana Rodrigues. O método incentiva que os próprios povos tradicionais sejam protagonistas em todas as etapas, desde as perguntas até a divulgação dos dados. Isso rompe com a lógica colonial que sempre considerou os indígenas meros objetos de estudo.

No modelo participativo, o pesquisador indígena é capacitado para registrar e interpretar os saberes locais, permitindo preservação na língua original ou adaptações às necessidades da comunidade. Também contribui para o debate global sobre direitos de propriedade intelectual dos saberes tradicionais.

Além do artigo científico, o trabalho gerou um livro, um vídeo documentário e ações nas aldeias, como implantação de canteiros de ervas medicinais e produção de um livreto com receitas seguras, dirigido a jovens e agentes de saúde indígenas. O projeto foi financiado pela Fapesp via bolsa de doutorado concedida ao pesquisador.

Para Hemerson, o estudo demonstra que é possível unir tradição e ciência sem perder a identidade indígena.

“Este trabalho foi feito por nós e para nós. Recupera conhecimentos que estavam desaparecendo e prova que podemos fazer ciência mantendo nossa essência”, conclui.

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