CLÁUDIA COLLUCCI
DUBLIN, IRLANDA (FOLHAPRESS)
Tecnologias com inteligência artificial (IA) têm se mostrado ferramentas eficazes para apoiar fumantes que desejam abandonar tanto o cigarro tradicional quanto o eletrônico, oferecendo maior acesso a programas de ajuda para parar de fumar.
Estudos e experiências em diferentes países, apresentados durante uma conferência internacional de controle do tabaco em Dublin, indicam que o uso dessas tecnologias pode levar a taxas de sucesso de até 50%.
Atualmente, o acesso a esses programas é limitado globalmente: apenas 33% dos países oferecem esse tipo de serviço, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, 60% dos fumantes manifestam vontade de deixar o vício.
Essas soluções usam algoritmos avançados, que simulam conversas humanas para esclarecer dúvidas, motivar e ajudar a criar estratégias para controlar o desejo de fumar.
Alguns sistemas analisam o comportamento dos usuários, identificando momentos de maior ansiedade ou recaídas, para ajustar as mensagens de apoio.
Também podem integrar dados de dispositivos como smartwatches, para monitorar sinais como estresse e frequência cardíaca, enviando alertas em horários cruciais.
Pesquisadores chineses apresentaram um sistema baseado em IA que envia mensagens personalizadas em tempo real, conforme o estágio e as necessidades de cada usuário.
Em um estudo clínico com 272 fumantes, a taxa de sucesso de quem usou essa tecnologia foi de 17,6%, comparada a 7,4% no grupo que não recebeu a intervenção.
Pinpin Zheng, professor da Universidade Fudan, destaca que esta abordagem pode ampliar o acesso ao tratamento na China e no mundo.
No Reino Unido, o aplicativo Quit Genius, lançado em 2021, combina terapia cognitivo-comportamental digital e IA. Estima-se que após seis meses, 45% dos usuários continuam sem fumar, enquanto métodos tradicionais alcançam entre 20% e 30%.
Na Nova Zelândia, o chatbot QuitBot incorporado a redes sociais ajuda usuários a parar de fumar, com taxa de sucesso 1,7 vez superior a quem tenta sem apoio digital.
Revisões científicas recentes mostram que intervenções digitais com IA são eficazes, sobretudo se usadas junto com medicamentos.
Um estudo que analisou 12 ensaios clínicos comprovou que a IA pode elevar em até 50% as chances de parar de fumar em comparação com tentativas isoladas.
Segundo levantamento da OMS em 2024, países como Reino Unido, Austrália e Canadá, que adotaram essas tecnologias em seus programas antitabagismo, registraram quedas significativas no número de fumantes, principalmente entre jovens e usuários de cigarros eletrônicos.
Especialistas alertam, porém, que a tecnologia deve complementar, não substituir, os tratamentos tradicionais com acompanhamento profissional e uso de medicamentos.
Aspectos psicológicos e comportamentais
Vera Lúcia Borges, psicóloga do Instituto Nacional do Câncer (Inca), afirma que o tabagismo envolve fortes fatores psicológicos e comportamentais, e que o tratamento deve incluir apoio para essas questões junto ao uso de remédios para controlar sintomas.
Segundo ela, a IA deve ser uma ferramenta adicional. O cigarro está ligado a emoções e hábitos, e é importante compreender os sentimentos que ele provoca.
Muitas pessoas relatam que o cigarro traz sensação de alívio em situações de estresse, devido ao efeito da nicotina no cérebro, que causa dependência. O tratamento busca desconstruir essa associação.
No Brasil, dados indicam que a taxa de sucesso após quatro sessões do programa de cessação gira em torno de 46%, podendo passar de 70% em grupos específicos. Ainda não se sabe se esses resultados se mantêm a longo prazo.
O programa brasileiro, elogiado na conferência de Dublin, é oferecido na atenção básica e em ambulatórios especializados, com duração de um ano, incluindo avaliação individual, apoio psicossocial e medicamentos quando necessário.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria Municipal de Saúde oferece esse tratamento em 239 clínicas da família, utilizando adesivos de nicotina e o antidepressivo bupropiona, segundo Renato Cony, subsecretário de promoção e vigilância em saúde.
Ele destaca que há um aumento na procura para parar o uso de vapes, antes vistos como uma alternativa ao cigarro tradicional, mas que podem resultar em cargas maiores de nicotina.