IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva simplificou as regras para oferecer ajuda financeira a estados, sem ter a aprovação técnica do Tesouro Nacional, órgão responsável por negociar e acompanhar as dívidas estaduais.
Um decreto publicado no começo de outubro tornou mais fácil para São Paulo aderir ao programa, eliminando a necessidade da maioria dos estados estabelecerem um limite para seus gastos em troca da redução da dívida com a União.
Somente estados que estão em programas de recuperação financeira, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, precisarão cumprir essa regra.
Documentos obtidos pela Folha de S.Paulo via Lei de Acesso à Informação mostram que o Tesouro não incluiu essa flexibilização na proposta original do decreto, nem alterou suas avaliações técnicas sobre o programa Propag (Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados).
Técnicos do Tesouro expressaram insatisfação com essa mudança, que foi adicionada após o ato ter sido assinado por Lula e pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
O Ministério da Fazenda afirmou que a alteração não foi solicitada pelo órgão e que a redação final foi definida pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Casa Civil e AGU não comentaram o assunto.
A eliminação do limite de gastos facilita a adesão dos estados que não estão em recuperação financeira, sendo São Paulo o caso mais notável, por ser o maior devedor da União, com uma dívida de R$ 288,6 bilhões (dados de dezembro de 2024). O estado é governado por Tarcísio de Freitas (Republicanos), adversário político do governo federal.
Permitir a adesão de São Paulo pode significar uma renúncia de bilhões em receitas para a União nos próximos anos, impactando o endividamento nacional. Essa foi uma das razões para o Tesouro ser consultado, o que não ocorreu.
Simulações do Tesouro indicam que São Paulo poderia deixar de pagar entre R$ 7,8 bilhões e R$ 13,1 bilhões em 2026, valores que poderiam ser usados pelo estado para investimentos e outras despesas, especialmente em ano eleitoral.
Nos anos seguintes, o alívio tende a crescer. Em um cenário otimista com juros reais zerados, o estado deixaria de repassar cerca de R$ 412 bilhões ao governo federal até 2047, segundo estimativas preliminares.
Por outro lado, a adesão de São Paulo impulsionará o Fundo de Equalização Federativa (FEF), criado para redistribuir parte dos recursos para estados com menos dívidas. Os maiores contribuintes serão os estados com maior redução em suas dívidas.
Assim, a entrada de São Paulo é decisiva para o funcionamento do fundo, cujo principal beneficiário será a Bahia, estado do ministro Rui Costa (Casa Civil). Não houve manifestação sobre este ponto.
A lei complementar do Propag e a primeira versão do decreto previam que todos os estados beneficiados com qualquer tipo de suspensão, adiamento ou redução extraordinária de pagamento da dívida com a União deveriam impor limites aos seus gastos.
Isso incluiria não apenas estados com dificuldades financeiras que estão no Regime de Recuperação Fiscal, mas também aqueles que renegociaram suas dívidas com base em leis anteriores, atingindo 25 dos 27 estados da federação, incluindo São Paulo e estados do Nordeste.
Essa interpretação foi confirmada em decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro.
Em ação do estado do Ceará questionando a necessidade do limite de gastos para aderir ao programa, o ministro disse que a lei do Propag exige contrapartidas para qualquer tipo de postergação, suspensão ou redução extraordinária de dívidas.
Apesar de já ter vencido batalhas judiciais contra estados, o governo federal optou por flexibilizar essa exigência, contrariando técnicos das áreas econômica e jurídica do Executivo.
Após o decreto, o governo sofreu ainda uma derrota no Congresso Nacional, que afrouxou mais as regras do Propag.
Parlamentares restabeleceram o uso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), criado na reforma tributária, para abater parte das dívidas com a União.
Estados que conseguem abater 20% das dívidas têm acesso a condições mais favoráveis, como redução de juros a zero e menor pagamento ao Fundo de Equalização Federativa — o que gera maior alívio financeiro.
Esse benefício era importante para o Rio de Janeiro, que tem poucos ativos para entregar em troca da redução da dívida, mas São Paulo também demonstrou interesse em usar o FNDR para obter melhores condições no Propag.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Samuel Kinoshita, declarou que o Propag possui mecanismos que podem ajudar a equilibrar obrigações e créditos, mencionando a possibilidade de um “adequado encontro de contas”.
Ele não confirmou se São Paulo irá aderir ao programa, mas indicou que o estado está analisando tecnicamente essa possibilidade.
Segundo Kinoshita, os efeitos esperados são importantes para a sustentabilidade fiscal a médio prazo, mas evitou estimar valores, que dependerão das escolhas da administração paulista.

