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sexta-feira, 31/01/2025

Golpistas exploravam a fé de vítimas no DF e mais seis estados

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Delegado Sepúlveda (E): “As vítimas precisam procurar a Justiça para tentar reaver os valores perdidos” – (crédito: Giovanna Sfalsin)

Policiais civis cumpriram, ontem, mandados contra religiosos, advogados e influenciadores digitais acusados de lesar fiéis, em milhares de reais

Foi desarticulada, nesta quinta-feira (30/1), uma organização criminosa especializada em fraudes eletrônicas, que explorava a fé religiosa para enganar vítimas e convencê-las a investir em falsas transações financeiras. Estima-se que o grupo, composto por cerca de 200 integrantes, lesou ao menos 50 mil pessoas no Brasil e no exterior. As investigações estão a cargo da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco/Decor), da Polícia Civil do Distrito Federal, responsável pela terceira fase da Operação “Falso Profeta”.

Os policiais — um total de 90 — agiram no DF e em seis estados: Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Ao todo, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão contra 15 suspeitos que atuavam no esquema criminoso. Além disso, foram determinadas outras medidas: bloqueio de contas bancárias — nas quais estão depositados 7,9 milhões de reais — e a proibição do uso de redes sociais pelos investigados.

O esquema

Segundo as investigações, o bando atuava de forma estruturada e hierarquizada em diferentes funções, como líderes religiosos, “laranjas”, influenciadores digitais e administradores de redes sociais. O esquema se baseava na manipulação da crença religiosa com a promessa de riquezas milagrosas, em uma teoria apelidada de Nesara-Gesara.

As vítimas eram abordadas tanto em cultos e congregações quanto pela internet: grupos no WhatsApp, canais no YouTube, Instagram e Telegram. Os golpistas afirmavam que as pessoas haviam sido escolhidas por Deus para receber uma “bênção financeira”, que se confirmaria com a compra de frações de títulos financeiros falsos. Os estelionatários garantiam que, ao realizar um pequeno aporte financeiro, os compradores teriam retornos milionários.

Os fiéis, em sua grande maioria evangélicos, acabavam convencidos a investir suas economias em falsas operações financeiras ou falsos projetos de ações humanitárias, acreditando que teriam retorno financeiro imediato e rentabilidade estratosférica. As promessas incluíam transformar 25 reais em 1 octilhão de reais ou investir 2 mil para ganhar 350 bilhões de centilhões de euros.

Para se ter noção, 1 octilhão de reais corresponde a 1 seguido de 27 zeros. Já um centilhão é o número 1 seguido de 600 zeros. O economista Newton Marques garantiu ao Correio que valores exorbitantes como esses sequer existem. “Criminosos usam esse discurso apenas para ‘dourar a pílula’. Todo golpe financeiro tem o mesmo modus operandi. Os descuidados acham que vão ter ganho fácil, e os falsos profetas prometem que concretizarão tudo isso”, disse.

Para tornar a fraude mais convincente, os golpistas entregavam contratos falsos e utilizavam documentos fictícios, como notas inexistentes de “100 trilhões de dólares”. Como consequência, muitas vítimas venderam bens, como casas e carros, e acabaram acumulando dívidas. Além do prejuízo financeiro, o golpe gerou danos psicológicos severos, com pessoas entrando em depressão, rompendo laços familiares e até adoecendo devido ao desespero causado pelas perdas econômicas.

Fio da meada

As investigações começaram ao final de 2022, quando um influenciador digital foi preso tentando enganar uma vítima usando um extrato bancário falso de 17 bilhões de reais. A partir da análise de celulares apreendidos, a polícia descobriu que o golpe era enorme, pois a movimentação financeira do esquema, que ocorria desde 2019, estava estimada em 160 milhões de reais.

Até o momento, quatro acusados respondem ao processo em liberdade. Mas, com a operação desta quinta-feira (30/1), cinco líderes religiosos, advogados e influenciadores digitais começarão a dar explicações à Justiça.

Os suspeitos poderão responder por crimes, como organização criminosa, estelionato, fraude eletrônica, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. O esquema utilizava empresas de fachada e contas bancárias para lavar o dinheiro arrecadado.

O delegado Marco Aurélio Sepúlveda, responsável pelo caso, alertou que muitas vítimas — entre elas, idosos e pessoas com deficiência — ainda não denunciaram o golpe por vergonha de terem caído na fraude. Segundo ele, algumas pessoas chegaram a perder 1 milhão de reais. “As vítimas precisam procurar a Justiça para tentar reaver os valores perdidos”, disse.

A Polícia Civil reforça o alerta para que a população desconfie de promessas de dinheiro fácil e denuncie qualquer atividade suspeita nas delegacias das respectivas unidades administrativas. “É essencial que esse golpe das falsas operações seja amplamente divulgado para evitar que mais pessoas sejam enganadas”, afirmou Sepúlveda.

O que é Nesara-Gesara
Nesara é um acrônimo para National Economic Security and Recovery Act, conjunto de reformas econômicas, sugeridas por Harvey Francis Barnard, para os Estados Unidos, durante a década de 1990. As propostas incluíam a substituição do imposto sobre o rendimento por uma taxa nacional aplicada em vendas. Também previam a abolição dos juros compostos sobre empréstimos garantidos e a reutilização de uma moeda específica. Essas medidas, supostamente, resultariam numa inflação de 0% e numa economia mais estável. As sugestões, porém, nunca foram apresentadas ao Congresso. Por outro lado, Gesara é uma teoria da conspiração, promovida pela blogueira Shaini Goodwin. Define que todas as dívidas serão liquidadas numa reestruturação radical da economia dos EUA.

Atenção aos golpes
O economista Newton Marques recomenda:

» Desconfie de propostas que prometem ganhos extraordinários em aplicações financeiras, ainda que sejam feitas por “autoridades” espirituais e líderes religiosos;

» Em economia, não existe espaço para aplicações com ganhos exorbitantes. Toda entidade financeira capta recursos pagando por taxa de juros mais baixa e empresta, para ganhar, aplicando uma taxa mais alta. Porém, tudo tem limite;

» Não acredite em ganhos além da taxa Selic, que é a tarifa mínima cobrada nas dívidas contraídas com o governo;

» Não é recomendável se desfazer de propriedades e bens para fazer aplicações em pirâmides financeiras, mesmo que a proposta seja feita por alguém de confiança em templos e igrejas.

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