Formados na mesma escola de pensamento econômico, a de Chicago, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o economista Paulo Rabello de Castro não se reconhecem na defesa do ajuste das contas públicas. Crítico contumaz do descontrole fiscal em todas as esferas de governo no Brasil, ele não vê qualquer sentido na proposta que o ministro tenta aprovar no Congresso Nacional, e a considera o retrato de uma inflação de impostos.
Rabello de Castro tem dedicado as últimas semanas à construção de uma série de sugestões para o país retomar o crescimento, que serão apresentadas pela recém-criada Associação Brasileira de Cidadania pela Democracia (ABCD).
Desalinho histórico
“Um dos principais riscos que temos nesse ponto de virada do Brasil é que estamos diante de uma surpreendente e espantosa oportunidade. A visão da forca projeta a sociedade para uma ação que, se bem orientada, pode levar a um avanço muito maior do que se poderia supor numa situação de normalidade. Há semelhanças do Brasil de hoje com o do Plano Cruzado (em 1986), que, à época, dissemos que não tinha condições de funcionar porque começou errado, com um congelamento geral de preços. Tudo o que começa sem ser sustentável, a não ser que seja uma paulada, um ajustamento de arrumação, como foi a URV do Plano Real (em 1994), não funciona. O truque da URV foi, justamente, a transitoriedade. Hoje não temos uma inflação galopante como naquele tempo, mas temos algo que galopa, a carga tributária. Falando em planos econômicos, vamos nos lembrar que o Real transformou a hiperinflação monetária em hiperinflação tributária.”
Emergência
“Essa recorrência histórica nos chama a atenção para a absoluta atualidade do controle fiscal como a condição necessária e suficiente para o Brasil retomar um crescimento sustentado e forte já em 2016. Do jeito que estamos não vamos crescer mesmo. Estimamos para este ano uma queda de 2% a 3% e 2016 é uma grande incógnita, mas, no ritmo atual, vamos ter de crescimento zero a uma retração de 1%. Vamos chegar entre setembro e outubro no ápice da crise. Por isso, a nossa proposta é uma lei emergencial para o crescimento e o orçamento, que chamamos de Leco. Temos de fazer uma política fiscal de estabilidade e equilíbrio, não para ser bons gestores, mas para propiciar que as forças produtivas da nação se libertem do governo. Na medida em que por tantos anos não fizemos o dever de casa, eu proporia uma agenda de crescimento gradual, mas com vistas a estar em 2018, pelo menos, numa velocidade média de avanço de 5% ao ano.”
Programa estrutural
“O lado emergencial da nossa Leco consistiria em um ano de aperto, mas seguido de um programa estrutural de melhoria da gestão, que vai atacar, por exemplo, a maneira de o SUS (Sistema Único de Saúde) trabalhar. Gasta-se a mesma coisa, mas atende-se 20% a mais de pessoas, com mais eficiência. Na conta da emergência, ficariam cortes de R$ 110 bilhões distribuídos entre 2016 e 2017, que, basicamente, se limitam a não fazer o repasse inflacionário para as verbas que hoje comandam, obrigatoriamente, aumentos ao arrepio e em ofensa à situação do povo brasileiro. Um Poder Judiciário que envia à Câmara ou às assembleias legislativas pedido de recomposição da inflação passada fere o preceito constitucional de solidariedade e, portanto, merece rejeição.”
Pura contabilidade
“Eu repudiaria o conceito de ajuste do governo. O ajuste fiscal que ainda se tenta votar num acerto de última hora entre o Senado e o Poder Executivo já parte torto. Brasil precisa é de uma agenda transformadora e articulada para a retomada do crescimento, que começa com a volta do controle das contas públicas.”