Combinação entre desemprego e inflação faz brasileiros sentirem no bolso há meses o momento difícil da economia — alguns mais do que outros
Quando há inflação, “os preços sobem de elevador e os salários sobem de escada”. A frase é atribuída ao ex-presidente argentino Juan Domingo Perón nos anos 1970, mas pode descrever com precisão o cenário do Brasil de 2021.
Fatores como o litro de gasolina a sete reais e os custos crescentes de alimentação não sustentam, necessariamente, a afirmação de que está mais caro viver no Brasil.
Mas o grande problema, explicam os economistas, é que a alta nos preços de itens essenciais é acompanhada por uma renda que pouco cresce — ou inclusive diminui — para a maioria da população.
“No Brasil do momento, a renda está acorrentada ao pé da escada enquanto o elevador do preço segue subindo”, diz a economista Juliana Inhasz, coordenadora do curso de graduação em Economia no Insper.
Os índices inflacionários já refletem o cenário. Em julho, o IPCA, principal métrica da inflação no Brasil, teve sua maior alta em 20 anos.
O índice acumula avanço de 8,99% em 12 meses, e a projeção dos analistas no boletim Focus é que feche o ano acima de 7%, muito além da meta do Banco Central, de 5,25%.
O Brasil não chega a esse valor anual desde 2015, quando o desemprego era menor e a taxa de juros muito maior (14,25%, ante 5,25% hoje).
E os índices mostram só uma rápida fotografia. De tudo que se consome no Brasil, o desafio principal é que alguns dos produtos cujos preços mais aumentaram são também os essenciais, como energia e alimentos.
- Os alimentos e bebidas subiram 13% em 12 meses na média geral do IPCA;
- Os campeões foram produtos como óleo de soja, tomate ou arroz, que tiveram alta na casa dos 80% e 40%, respectivamente;
- A gasolina acumula alta de 40%, o etanol, de 57% e o diesel, de 36%;
- A energia elétrica residencial subiu 20%.
Por isso, para Simão Davi Silber, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, que mede o IPC, índice inflacionário no município de São Paulo, a resposta sobre o quanto o Brasil ficou mais caro é “depende”.
“Os preços aumentaram para todo mundo. Mas como a sociedade brasileira é muito desigual, para alguns grupos esse aumento chega a ser quase irrelevante”, diz Silber, que é também professor da Faculdade de Economia da USP. “Já se pegamos a base da pirâmide, é devastador.”
Em famílias que têm uma cesta de consumo mais variada, o aumento dos itens básicos pode ter sido parcialmente amenizado com frentes que subiram menos por causa da pandemia: os preços de serviços de saúde, educação ou vestuário ficaram abaixo da inflação ou até caíram em alguns casos.
Assim, o Ipea, vinculado ao Ministério da Economia, calcula que famílias mais pobres sentiram quase o dobro da inflação.
O salário compra pouco
Outra métrica usada para analisar o quão caros estão de fato os custos no Brasil é a comparação com o salário mínimo. E, nessa frente, as notícias são pouco animadoras.
Na cidade de São Paulo, o preço da cesta básica já quase empata com o salário mínimo, o que nunca tinha acontecido desde que o índice começou a ser calculado, em 2017.
A cesta para quatro pessoas ficou em 1.064,79 reais em julho, segundo levantamento do Procon-SP em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O valor não inclui ainda aluguel, energia elétrica ou outras necessidades.
“Estamos vendo um aumento da cesta básica que escapa inclusive da ordem inflacionária”, diz Marcus Vinicius Pujol, diretor da Escola de Proteção e Defesa do Consumidor do Procon-SP. “E nossa cesta já é calculada com as marcas mais baratas possíveis, não há nem como dizer para o consumidor trocar.”
Sobretudo para a população mais pobre, apesar do auxílio emergencial colocado em vigor, a ausência de políticas de proteção como estoques de alimentos, pioram a insegurança alimentar em tempos de inflação — a projeção é que o Brasil já tenha voltado ao mapa da fome em 2020.
“O apoio ao pequeno agricultor é essencial.
Os aumentos do salário mínimo também não têm acompanhado a inflação, enquanto os 40% da população na informalidade não estão sequer contemplados pela legislação.
“Então a verdade é que muitas pessoas não estão conseguindo consumir nem a cesta básica”, diz Pujol.
Tempestade perfeita
No ano passado, a aposta era de que o Brasil não viveria um cenário de inflação muito alta devido ao desemprego, que estagnou na casa dos 15% e sem sinal de melhora.
Mas desta vez, a pressão inflacionária vem sobretudo na frente da oferta, com pouco produto circulando no mercado. Assim, apesar da demanda baixa com o empobrecimento da população, os preços seguiram subindo.
Entre os motivos dos aumentos de preço no Brasil, estão a alta do dólar e o ciclo de commodities — que favorecem a exportação de alimentos, mas reduzem a oferta no mercado interno.