Por Caio Aquino, Pedro José Borges e Artur Monteiro.
Quase 41 milhões de brasileiros com mais de 16 anos foram vítimas de golpes digitais, segundo levantamento do DataSenado em outubro de 2024. Isso representa 24% da população nessa faixa etária, com prejuízos que somaram 10,1 bilhões em transações com cartões, dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) indicam.
A Polícia Federal instaurou 132 inquéritos sobre crimes de alta tecnologia em 2024, um aumento em relação aos anos anteriores: 49 em 2023, 45 em 2022 e 72 em 2021. Esses números foram divulgados após pedido de informação feito por meio da Controladoria-Geral da União.
O relatório ‘Panoramas da América Latina 2024’ da Kaspersky apontou o Brasil como um dos países com mais tentativas de golpes por dispositivos móveis, registrando 1,8 milhões de bloqueios em 2024, o que equivale a 1.379 ataques por minuto.
Apesar das variações anuais, os dados indicam continuidade nas investigações e aumento no número de indiciados, totalizando 8.921 inquéritos nos últimos três anos.
Dados sobre o Distrito Federal
Em 2024, o Distrito Federal instaurou 991 inquéritos relacionados a crimes cibernéticos, com 1.081 relatórios e 734 indiciamentos, superando o número de inquéritos instaurados em 2023 (702), embora inferior aos relatórios (1.378) e aos indiciamentos (661) daquele ano. Em 2022, havia 1.023 inquéritos instaurados, 1.931 relatórios e 420 indiciamentos.
Entre 2022 e 2024, o Distrito Federal acumulou 2.716 inquéritos instaurados, 4.390 relatórios e 1.815 indiciamentos em processos relacionados a crimes cibernéticos, conforme dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Em 2025, até maio, foram instaurados 323 inquéritos e registrados 358 relatórios, com 350 indiciados. Desde o início dos registros em 2021, 1.080 inquéritos seguem em andamento.
Parceria para prevenção e combate
A Polícia Federal e a Febraban firmaram, em fevereiro de 2025, a Aliança Nacional de Combate a Fraudes Bancárias e Digitais, voltada para prevenção, investigação e conscientização pública, além de protocolos para compartilhamento de dados entre instituições. A PF dispõe de delegacias especializadas em crimes cibernéticos em todas as 27 unidades federativas, atuando em conjunto com a Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos.
O delegado João Guilherme Carvalho, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), enfatiza que os crimes patrimoniais tradicionais têm diminuído, enquanto os digitais crescem, ocorrendo um golpe a cada 16 segundos.
Ele destaca as dificuldades em identificar autores, que podem operar em estados diferentes, movimentar dinheiro por várias contas de terceiros e atuar em locais distintos.
As chamadas contas de laranjas são usadas por criminosos para dificultar o rastreamento do dinheiro. Essas pessoas recebem parte do valor movimentado, enquanto os criminosos ficam com o restante.
Carvalho também aponta lacunas jurídicas, reforçando a necessidade de atualizações legislativas para acompanhar a complexidade e multilocalidade dos crimes digitais, bem como facilitar o fluxo de informações entre as polícias investigativas para aumentar a eficácia das operações.
Definição e perfis dos crimes cibernéticos
Não há uma definição legal específica para crimes cibernéticos. Especialistas consideram que esses crimes são comuns, mas cometidos via internet ou dispositivos eletrônicos, incluindo invasão de sistemas, que é tipificada no artigo 154‑A do Código Penal.
O advogado Luiz Augusto D’Urso, presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da ABRACRIM, ressalta que nem todos os hackers são criminosos, destacando que os cibercriminosos são os crackers que invadem sistemas com fins ilícitos.
Entre os crimes mais comuns estão o ransomware, que sequestra dados e exige resgate, e fraudes bancárias iniciadas por mensagens falsas, muitas vezes pelo WhatsApp, conduzindo vítimas a falsos canais de atendimento bancário.
Tipos de crimes e operações recentes
A Polícia Federal classifica crimes digitais em abuso sexual infantojuvenil, fraudes bancárias eletrônicas, crimes de alta tecnologia, crimes de ódio cibernéticos e outros sem classificação específica.
Em 2023 e 2024, foram cumpridos 141 mandados de busca, com 63 investigações relacionadas a abuso sexual infantil e 11 prisões preventivas. Os crimes de alta tecnologia somaram seis ocorrências.
As prisões em flagrante totalizaram 31, e os mandados de busca representaram mais da metade das ações realizadas.
Procedimentos e orientações
Em casos de vazamento de dados, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deve ser acionada inicialmente. Outras vias possíveis incluem Procon e consumidor.gov.br. Para reverter prejuízos causados por golpes, o Mecanismo Especial de Devolução (MED) pode congelar e devolver o dinheiro ao titular, além do recurso judicial.
Especialistas em segurança digital
O professor Francisco Marcelo Marques Lima explica que ataques cibernéticos envolvem a exploração de vulnerabilidades e técnicas como engenharia social, malwares e phishing, que têm se tornado mais sofisticados com o uso de inteligência artificial, facilitando a falsificação de vozes e outras fraudes.
Ele ressalta que o fator humano ainda é o mais vulnerável, pois as pessoas costumam compartilhar senhas e não protegem seus segredos digitais adequadamente.
Grandes empresas e instituições investem pesado em segurança digital, o que torna ataques a seus sistemas complexos e não tão simples quanto retratados em filmes.
O Brasil possui infraestrutura sólida e várias instituições que apoiam a segurança da informação, sendo um país forte neste aspecto.
Com o crescimento da internet das coisas, dispositivos conectados que não recebem atualizações de segurança podem ser explorados para acessar ambientes internos residenciais ou empresariais.
Panorama das fraudes e operações policiais
O delegado Carvalho menciona o aumento expressivo de fraudes digitais e práticas ilegais, incluindo denúncias que vão de abuso sexual infantil a falsos escritórios de advocacia, e destaca o crescimento de golpes por falsas centrais bancárias.
Ele explica que, assim como crimes tradicionais, os cibernéticos deixam rastros, sendo os registros bancários um meio fundamental para identificar os autores.
Em 2024, a Polícia Federal realizou mais de mil operações contra crimes cibernéticos no Brasil. São Paulo lidera o ranking, com 256 operações, seguido pelo Paraná com 111. No Norte, Pará, Rondônia e Acre tiveram movimentações relevantes, enquanto Amazonas e Amapá registraram menor número de ações.
O Distrito Federal realizou 32 operações em 2024, número inferior aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o que pode indicar tanto uma boa atuação da PF quanto subnotificação dos crimes pelas vítimas na capital.
Metodologia da reportagem
O aumento no número de vítimas de crimes digitais chamou a atenção dos autores, que utilizaram dados de diferentes fontes oficiais para organizar e relatar a realidade dos crimes cibernéticos no Brasil e especialmente no Distrito Federal.