Operação deflagrada nesta terça prendeu ex-gestores; MP e Polícia Civil tentam descobrir onde foi parar o dinheiro. OS foi contratada para gerir UPAs em 2010, mas não chegou a prestar serviço.
Os R$ 3,46 milhões repassados pelo governo do Distrito Federal à Cruz Vermelha de Petrópolis, em 2010 – quando a entidade foi contratada para administrar as UPAs do Recanto das Emas e de São Sebastião – foram liquidados em 77 transferências bancárias, afirma o Ministério Público.
O MP e a Polícia Civil tentam, agora, investigar o paradeiro desses valores. O dinheiro foi depositado em duas contas do BRB, pertencentes à Cruz Vermelha, mas em 2011 essas contas já tinham sido “esvaziadas”. Corrigidos, os valores chegam atualmente a R$ 8,95 milhões.
Segundo o promotor de Justiça de Defesa da Saúde Luis Henrique Ishihara, as irregularidades no contrato entre o GDF e a organização eram conhecidas desde 2010. A Cruz Vermelha de Petrópolis nunca chegou a prestar serviço ao governo, mas também não devolveu os milhões recebidos na fase inicial do contrato.
Nos depoimentos prestados nesta quinta-feira (22), a ex-integrante do Conselho de Saúde do DF Fátima Celeste “admitiu que sabia que havia irregularidades no contrato”, disse o delegado Jonas Bessa, chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Decap)
De acordo com as investigações, durante reunião do Conselho de Saúde do DF, em maio de 2010, para analisar um parecer da Procuradoria Geral do DF que constatou fraudes na tramitação do contrato, a relatora Fátima Celeste “teria reconhecido as irregularidades e votado pela não aprovação da contratação”, afirmou o delegado Jonas Bessa.
No entanto, em depoimento à polícia, ela afirmou que “movida pela emoção, mudou o voto e acatou a aprovação”. Isso teria acontecido porque disseram a ela que “os empenhos [uma das etapas para o uso de dinheiro público] deveriam ser feitos com rapidez, em decorrência do ano eleitoral”.
Alertas também foram emitidos pela secretária de Saúde Fabíola Aguiar, que ocupou o cargo na transição entre os governos de José Roberto Arruda e Rogério Rosso. Segundo o MP, ela chegou a determinar que a Cruz Vermelha não mexesse nos valores depositados, já que havia uma investigação em curso. A ordem não foi atendida pela entidade.
Organização suspeita
As investigações dão conta de que, em agosto de 2009, a Cruz Vermelha de Petrópolis, sem ter qualquer ligação com a Secretaria de Saúde do DF, solicitou a qualificação como organização social na capital. Em 18 de novembro do mesmo ano, foi publicado no Diário Oficial do DF um chamamento público para cadastramento de organizações sociais em Brasília que quisessem celebrar futuros contratos para gerir oito UPAS no DF.
Conforme explicou o promotor Ishihara, havia uma cláusula dentro do edital que especificava que as organizações interessadas em gerir as UPAs de São Sebastião e Recanto das Emas deveriam apresentar uma proposta em cinco dias úteis. Em 24 de novembro, a Cruz Vermelha protocolou o pedido.
Uma outra ONG, chamada Viva e Natureza, também indicou interesse. No entanto, o processo dessa organização ficou parado na Secretaria de Saúde por quatro meses enquanto o da Cruz Vermelha tramitava.
O promotor disse que a Cruz Vermelha ainda não tinha adquirido o título de organização social do DF quando protocolou a proposta de interesse em gerir as UPAs. Além disso, a entidade apresentou um certificado de regularidade do FGTS falsa. Com base nesses indícios, o Ministério Público e a Polícia Civil vão apurar a responsabilidade criminal dos servidores públicos envolvidos nessa contratação.
Operação Genebra
Nesta quinta, três ex-dirigentes da Cruz Vermelha de Petrópolis foram presos no Rio de Janeiro: Douglas de Oliveira, Richard Strauss Júnior e Tatty Anna Kroker. Os três devem seguir detidos em Brasília, no Complexo Penitenciário da Papuda e na Penitenciária Feminina (Colmeia). Até as 17h30, eles seguiam na carceragem do Departamento de Polícia Especializada (DPE), da Polícia Civil.
Cinco ex-funcionários da Secretaria de Saúde do DF – incluindo o ex-secretário Joaquim Barros Neto – e quatro ex-membros do Conselho de Saúde foram alvos de condução coercitiva (quando a pessoa é obrigada a prestar depoimento). Até as 17h30, eles já tinham sido ouvidos e liberados pela polícia. Os nove citados trabalharam no governo do DF durante a gestão José Roberto Arruda.
As investigações indicam que o grupo se uniu para direcionar uma licitação da Secretaria de Saúde para favorecer a entidade, que acabou sendo contratada ilegalmente para administrar duas UPAs do DF.
Eles estão sendo investigados pelos crimes de dispensa de licitação, uso de documento público falso, peculato (uso de cargo público para conseguir vantagem pessoal) e lavagem de dinheiro.
A operação foi batizada de Genebra, cidade da Suíça, que é o local onde a Cruz Vermelha Internacional foi fundada e onde fica a sede da entidade. A Cruz Vermelha de Petrópolis é uma organização social (OS) independente, sem qualquer ligação com o órgão internacional.
A operação Genebra é conduzida pela 4ª Promotoria de Defesa da Saúde e pela 7ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público. O setor de inteligência do MP do Rio de Janeiro também prestou apoio nas investigações.
Esclarecimentos da Cruz Vermelha
Em nota, a direção nacional da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) informou que tem colaborado com as investigações. No texto, a entidade afirmou que o convênio alvo de investigação foi realizado em junho de 2010 unilateralmente pela unidade regional de Petrópolis, sem anuência do órgão central.
“Devido a gravidade desse problema, a atual direção nacional incluiu esse tema na auditoria internacional, com a consequente intervenção da unidade regional de Petrópolis e afastamento dos dirigentes regionais.”
Ainda de acordo com a nota, “desde aquela época, a atual diretoria da CVB mudou seu estatuto e sistemas de normas e controle, adotando medidas que impedem ocorrências de situações similares, aumentando o controle da direção da entidade”.
Nota da Secretaria de Saúde
A Secretaria de Saúde do DF enviou uma nota, na tarde desta quinta-feira (22), sobre o contrato firmado entre a pasta e Cruz Vermelha de Petrópolis.
Confira o texto:
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informa que o contrato com a Cruz Vermelha foi celebrado no dia 02/07/2010 e rescindido no dia 17/09/2010, com publicação no Diário Oficial do Distrito Federal nº 180 de 20/09/2010, na seção III. O valor pago à época foi de R$ 3.463.130,80. A instituição não chegou a administrar nenhum hospital.
A Procuradoria Geral do Distrito Federal esclarece que ajuizou, em 2011, ação visando a rescisão do convênio de prestação de serviço celebrado com a Cruz Vermelha, em razão da Secretaria de Saúde ter detectado descumprimento das obrigações da organização.
A ação foi julgada procedente em primeira instância, condenando a ré a restituir toda a quantia ao erário. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) confirmou a sentença em 20/11/2013.
O cumprimento da decisão foi iniciado pelo Distrito Federal logo em seguida. Até o momento, porém, não foram localizados bens bastantes para satisfação do crédito. No último dia 29 de maio, em nova tentativa, a PGDF peticionou em Juízo requerendo penhora de valores eventualmente disponíveis em contas ou aplicações financeiras em nome da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Petrópolis.