Visto como um ativo eleitoral, nova modalidade de financiamento enfrenta dificuldades no governo e no setor bancário
A criação do empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil não sair antes do primeiro turno das eleições, em 2 de outubro. Integrantes do governo admitem, reservadamente, que a medida enfrenta ainda muitas dificuldades. Assim, o presidente Jair Bolsonaro fica sem um ativo eleitoral, que seria explorado em sua campanha pela reeleição.
O presidente sancionou no dia 4 de agosto a Lei 14.431, permitindo esta nova modalidade de crédito. A expectativa de integrantes da equipe era que a modalidade fosse regulamentada rapidamente, o que permitiria que cada beneficiário do programa social poderia obter, de uma vez, cerca de R$ 2.056 — os beneficiários do programa podem comprometer até 40% do auxílio base de R$ 400, pois a conta é sobre o valor permanente do benefício, sem levar em conta os R$ 200 mensais que são uma parcela adicional que vale apenas até dezembro.
O impasse ocorre pois falta um acordo no governo sobre a fixação de um teto para os juros a serem cobrados nessa modalidade de crédito — este é o principal motivo do atraso. Além disso, nas últimas semanas se intensificaram as críticas de especialistas e entidades de defesa do consumidor ao risco de endividamento desse público, que depende de transferência de renda.
Há até questões de ESG, pois os bancos estariam, na visão de alguns especialistas, obtendo lucro com a camada mais miserável da população, que vai comprometer grande parte de sua renda para o pagamento das parcelas do consignado.
Alguns bancos estavam fazendo pré-cadastro de interessados na modalidade com juros anuais de cerca de 80% ao ano, quase o triplo do cobrado nos empréstimos consignados de servidores públicos: o argumento é que os beneficiário podem sair do programa, apresentando risco de calote, já que o governo, no decreto que regulamentou a lei, deixou claro que ele não será o “fiador” destes recursos.
O Ministério da Cidadania corre para tentar fechar nesta semana um consenso interno e com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e tirar do papel o consignado, na primeira quinzena de outubro. Ou seja, na previsão otimista do governo, o crédito poderá começar a chegar ao bolso dos beneficiários na metade de um eventual segundo turno presidencial.
Procurado, o ministério não indicou que ainda não tem uma previsão oficial da entrada em funcionamento do consignado para o Auxílio Brasil e não comentou os questionamentos do GLOBO.
Ainda assim, a medida depende de questões operacionais, como a assinatura de contrato entre a pasta e a Dataprev, estatal responsável pelo processamento de dados do governo e a edição de um decreto presidencial e uma portaria com os detalhes da concessão dos empréstimos. Os bancos interessados também precisam adaptar os sistemas.
Segundo técnicos do Cidadania, 17 bancos mantém o interesse na modalidade de crédito, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (BB) e várias instituições de pequeno e médio porte. Bradesco, Itaú Unibanco e Santander informaram em agosto que não vão participar. O BB também deve ficar de fora, segundo integrantes do banco.
Entidades de defesa do consumidor encaminharam ofício ao governo, pedindo o adiamento da medida até que seja realizado um estudo de impacto sobre o crédito com desconto em folha no orçamento das famílias.
Além disso, enquanto o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, defende um teto para os juros que pode ser o mesmo dos beneficiários do INSS, hoje em 2,14% ao mês, a ala liberal do governo avalia que essa decisão tem que ser do mercado, bem como o prazo de pagamento do empréstimo.