Debates sobre a soberania brasileira na Amazônia têm mobilizado o país nos últimos anos. Recentemente, um programa lançado pelos Estados Unidos para lideranças indígenas da região chamou novamente a atenção para o tema.
O projeto, criado pela Embaixada e por consulados norte-americanos no Brasil, tem como objetivo ensinar o idioma inglês a 140 indígenas, de 18 a 35 anos, por um curso on-line entre setembro deste ano e junho de 2023.
De acordo com a organização, o “Access Amazon” tem o objetivo de levar “valor para suas respectivas carreiras e potencial de liderança com foco em causas ambientais”. O curso foi desenvolvido pelo Escritório Regional de Ensino de Língua Inglesa (RELO, na sigla em inglês).
As preocupações ambientais são suficientes para explicar o interesse dos EUA na Amazônia? E a aproximação de órgãos estrangeiros sobre a população local não coloca em xeque de alguma forma a soberania brasileira?
O professor de relações internacionais Christopher Mendonça, do Ibmec de Belo Horizonte, avalia que “a Amazônia é, sem dúvidas, um foco de interesse e de atuação da política externa dos americanos”.
Segundo ele, a posição de liderança internacional faz os EUA buscarem se envolver em questões dos mais diversos âmbitos no mundo.
“Não há apenas interesses ambientais nesta área: a Amazônia tem riquezas importantes e uma biodiversidade que poucos países dispõem. Do ponto de vista econômico e até geoestratégico ter influência sobre a região amazônica é importante para as principais potências mundiais”, analisou Mendonça, em entrevista à Sputnik Brasil.
Para o assessor político da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Toya Manchineri, o projeto contribui para a “emancipação política” indígena.
Ele explica que, uma vez capacitados com o novo idioma, as lideranças “poderão conversar com parentes e parceiros que falam inglês, colocando seus objetivos e pensamentos próprios” sobre temas ambientais, de direitos humanos e desenvolvimento da região.
Segundo Manchineri, com o domínio da língua inglesa, as lideranças serão capazes de expressar não apenas ideias, mas “emoções nos diversos assuntos”, o que, por meio de tradução, “não é possível fazer”.
“Falta ao Estado brasileiro reconhecer a importância da cultura indígena e que existem cerca de 180 línguas faladas pelos povos indígenas na Amazônia brasileira”. O Brasil precisa valorizar as populações nativas”, ressaltou.
‘Não há ameaças graves ao domínio brasileiro até o momento’
O professor Christopher Mendonça diz que o envolvimento de organizações internacionais com as populações amazônicas “não são por si uma ameaça à soberania nacional”. O especialista afirma que, atualmente, as relações internacionais “não estão restritas às fronteiras dos países”.
“A questão da soberania nacional sempre foi e mantém-se como uma preocupação importante de toda a comunidade internacional. A própria ONU [Organização das Nações Unidas], criada nos anos 1940 para institucionalizar a paz, leva em consideração a não intervenção dos países em território alheio. Não há, até o momento, ameaças graves ao domínio brasileiro sob sua porção da região amazônica, que é compartilhada com outros países da região”, disse Mendonça.
O professor do Ibmec aponta que, nos últimos anos, houve um arrefecimento das ações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de outros órgãos do governo federal, que “precisam ser retomadas, para que as garantias constitucionais sejam garantidas aos povos amazônicos”.
Apesar disso, o especialista afirma que, após a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a ter um olhar atento a pautas indígenas e trabalha, por meio da Funai, com questões ligadas aos povos nativos, tratando, por exemplo, das demarcações de terras.
“Ações importantes do Estado brasileiro são mantidas na tentativa de atender às necessidades e direitos dos povos que lá habitam”, indicou.
Porém, segundo Mendonça, devido à grande extensão da Amazônia, “ainda há dificuldades na presença do Estado em muitas localidades”. Ele lembra que o Brasil é um país com um dos maiores territórios do mundo e tem fronteiras com quase todos as nações da América do Sul.
“Essa condição geopolítica nos traz responsabilidades também muito grandes. As Forças Armadas e a Polícia Federal vêm investindo na presença estatal brasileira em todo o território nacional mas ainda há muito o que se fazer, sobretudo no que se refere a tecnologias de vigilância de fronteiras. Drones, imagens espaciais, câmeras de monitoramento são importantes ferramentas que precisam ser exploradas para que o país tenha maior presença em áreas da Amazônia das quais não se tem tanto controle”, afirmou.