Conselho Federal de Medicina destaca que práticas não têm base científica, enquanto terapeutas apostam em maior procura
O incômodo provocado pelas picadas de abelha nem de longe se compara às fortes dores que o analista Luiz Carlos Zelli, 52 anos, sentia quando foi diagnosticado com fibromialgia – uma síndrome de origem desconhecida que provoca dores por todo o corpo e por longos períodos. Durante anos, Zelli foi acompanhado por reumatologistas e tomou todo tipo de medicamento: antidepressivos, anti-inflamatórios, analgésicos e até remédio para TPM. Mas foram as picadas de abelha – mais especificamente a apiterapia – que aliviaram os sintomas e permitiram que Zelli voltasse a ter uma vida normal.
“As minhas dores começaram na região lombar e na coluna cervical. Na época, eu era eletricista e chegava a trabalhar um dia e ficar quatro de cama. Quando apertavam algum ponto específico, quase ajoelhava para não chorar”, conta Zelli, que diz não ter conseguido resolver o problema com a medicina convencional. Por intermédio da sogra, que tratou uma artrite com as picadas de abelha, ele conheceu a apiterapia e decidiu tentar
Foram quase doze meses de sessões semanais até Zelli se livrar das dores crônicas. “Eu recebia microdoses, o que chegava até quinze picadas de abelha em uma única sessão”, conta ele, que até hoje faz sessões de manutenção, mas nunca mais teve de tomar medicamento convencional. “Eu me considero curado”, afirma. O preço das sessões pode variar de 50 a 180 reais.
A apiterapia é um tipo de terapia natural que usa como base do tratamento as toxinas liberadas na picada de abelha. Essas toxinas possuem substâncias analgésicas e anti-inflamatórias. A técnica existe há mais de cem anos, mas até então não era reconhecida como tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, o método foi anunciado nesta segunda-feira como uma das dez novas terapias alternativas que vão se juntar às dezenove outras práticas integrativas do Ministério da Saúde – totalizando 29 práticas complementares. O Conselho Federal de Medicina (CFM) critica a decisão do governo e diz que as terapias alternativas não são reconhecidas.
Além da apiterapia, passam a integrar a lista do SUS aromaterapia, terapia de florais, ozonioterapia, cromoterapia, constelação familiar, hipnoterapia, imposição de mãos, bioenergética e geoterapia. Em 2006, quando foi criada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde, eram ofertados apenas cinco procedimentos. Em 2017, foram incorporadas mais 14 atividades.
‘A tendência é aumentar a procura’
Para Ivo Manno Junior, membro do Instituto Latinoamericano de Apiterapia, o reconhecimento da apiterapia pelo SUS é um fator que deve ampliar a demanda e melhorar os atendimentos. “Muitas pessoas desconhecem a apiterapia porque ela não é oferecida. Mas agora a tendência é aumentar a procura”, comemora Manno. A técnica é indicada para tratamento de dores crônicas e inflamações.
Célia Gouvêa, presidente da Associação de Terapeutas Florais do Rio de Janeiro (RioFlor), ficou emocionada com o reconhecimento da terapia de florais no SUS. Ela afirma que a prática não tem contraindicação e pode ser usada de bebês a idosos, especialmente no tratamento de casos emocionais, como depressão, ansiedade, transtornos, medos. Existem florais importados e nacionais.
“Esse era um pedido de muitos anos, desde o lançamento da Política Nacional, para ser exata. Na prática, a terapia com florais já vem sendo realizada pelo SUS, mas ainda dependia da adesão do gestor. Espero que agora as coisas se tornem mais fáceis”, comemora Célia.
A mesma expectativa é dividida pela bióloga e aromaterapeuta Renate Tirler, que há dezoito anos atua na área da aromaterapia – técnica que trabalha com extratos de plantas e óleos com propriedades terapêuticas. “A aromaterapia é muito difundida no mundo e é bem suave para o metabolismo. É indicada para tratamentos de insônia, ansiedade, depressão, timidez e tudo que envolva a parte emocional. O fato de agora ser reconhecida pelo SUS com certeza vai ampliar o acesso e beneficiar muitas pessoas”, afirmou Renate.
Sem evidências científicas
Para Carlos Vital, presidente do CFM, não há evidências científicas que comprovem a eficácia dos tratamentos alternativos e integrativos. “Essas práticas não têm base em evidências, portanto, oneram o sistema público e não deveriam ser incorporadas”, afirmou.
Vital disse ainda que os médicos só podem atuar na medicina com procedimentos terapêuticos que tenham reconhecimento na medicina convencional e comprovação científica. De acordo com ele, nenhuma dessas 29 práticas alternativas incorporadas pelo SUS são reconhecidas pelo CFM.
Ele diferencia, no entanto, a acupuntura como especialidade médica. “Essa prática é feita com base em evidências científicas e exige alto grau de complexidade”, afirmou o presidente do CFM.
Para Vital, se um paciente solicitar a um médico a prescrição de alguma dessas práticas integrativas, o ideal seria o profissional explicar e orientar o paciente sobre a medicina baseada em evidências. “O médico deve esclarecer sobre eficácia e as verdades científicas da medicina. O valor científico não existe na prática alternativa. Não é correto ele apoiar ou estimular seu paciente na busca das práticas alternativas.”