Representados pelos partidos Poder Judaico, de Itamar Ben-Gvir, e Sionismo Religioso, de Bezalel Smotrich, a extrema direita quase sempre foi excluída do tabuleiro político
Em Israel, ninguém conhece mais os atalhos do poder do que Binyamin Netanyahu, premiê que mais tempo ocupou o cargo na história do país. Agora, ele está de volta, apoiado por uma coalizão de extrema direita com partidos religiosos e uma ideia fixa na cabeça: subjugar o Judiciário, o que muitos temem ser a pá de cal na democracia israelense.
A reforma do Judiciário foi apresentada em janeiro. Em linhas gerais, ela enfraquece a revisão legal feita pela Suprema Corte, similar ao controle de constitucionalidade no Brasil. Se aprovada, os ministros ficam impedidos de vetar leis com base no princípio da razoabilidade e, em caso de veto, o Parlamento pode derrubar as decisões da Corte por maioria simples. O governo também teria mais peso na indicação de ministros do tribunal, passando a nomear políticos para o comitê que escolhe novos juízes.
“O plano deixa mais aparente o caráter de extrema direita do governo, o mais à direita da história de Israel. O objetivo é enfraquecer a estrutura democrática para fortalecer o caráter judaico do Estado”, disse Dov Waxman, diretor do Y&S Nazarian Center for Israel Studies, da Universidade da Califórnia.
Hungria
De acordo com Waxman, Israel está diante de um processo iliberal enfrentado por outros países como Hungria e Polônia, no qual o Judiciário é visto como um inimigo por exercer seu papel de fiscalizador dos demais poderes, e também como um empecilho ao estabelecimento de um regime majoritário, no qual freios e contrapesos – que asseguram direitos básicos e de minorias – não sejam violados.
“Uma Suprema Corte com poder de revisão é uma forma de garantir que qualquer governo não atue para violar valores e direitos básicos. Em Israel, a Suprema Corte tem sido essencial para proteger os direitos dos cidadãos árabes e dos palestinos na Cisjordânia. É, em parte, por isso que ela está sob ataque da extrema direita.”
Representados pelos partidos Poder Judaico, de Itamar Ben-Gvir, e Sionismo Religioso, de Bezalel Smotrich, a extrema direita quase sempre foi excluída do tabuleiro político. Embora tenham se aproveitado do caos político que levou o país a realizar cinco eleições nos últimos quatro anos, e do desespero de Netanyahu em formar uma coalizão que lhe permitisse voltar ao cargo – e se livrar dos processos por corrupção -, os extremistas percorreram um longo caminho até o poder.
Crescimento
“O que está acontecendo em Israel não é algo inédito. A gente viu isso acontecer na Hungria, na Polônia e nas Filipinas. No Brasil, por exemplo, foi feito todo um discurso contra o Judiciário, tentando colocá-lo como um perigo à própria democracia. Esse é o discurso que está sendo colocado em Israel” afirmou Karina Calandrin, coordenadora de projetos do Instituto Brasil-Israel.
Em um artigo de 2016, quando já apontava a escalada iliberal em Israel, Waxman destacou que certos grupos começaram a trabalhar a narrativa de que o desenvolvimento de instituições democráticas estaria em oposição ao caráter judaico de Israel. A partir desta divisão, começou-se a alimentar uma ideia de militância nacionalista que exigia “lealdade” dos verdadeiros patriotas. Nos anos que se seguiram à análise, candidatos cada vez mais extremistas conseguiram representação política.
No Washington Post, o colunista Ishaan Tharoor descreve um ponto comum entre Netanyahu e outros líderes antidemocráticos. “Não muito diferente de seus companheiros nacionalistas em países como Brasil, Hungria e Polônia, que se ressentem das verificações judiciais, Netanyahu há muito tempo se enfurece contra as autoridades legais e a burocracia estatal, apresentando-as como impedimentos à vontade do povo.”