No governo Bolsonaro, programa de distribuição e subsídio de medicamento encolheu 66,6%. Para analistas, redução de recursos vai aumentar gastos com o SUS
O orçamento proposto pelo governo Jair Bolsonaro para o programa Farmácia Popular em 2023 representa apenas um terço dos recursos que ele tinha em 2018, último ano do governo de Michel Temer. Em 2018, o país destinou R$ 3,047 bilhões para a distribuição e subsídio de medicamentos. Para 2023, a previsão é de R$ 1,018 bilhão. O corte busca preservar recursos para o chamado orçamento secreto.
Segundo especialistas, a redução de verba para 2023 intensifica o esvaziamento de recursos para o programa nos últimos anos, o que tende a gerar mais gastos para o Sistema Único de Saúde (SUS) adiante, à medida que o tratamento de doenças crônicas reduz o volume de internações.
Na comparação com os recursos previstos em 2022, a queda também é acentuada, de 59%. Criado em 2004, o programa Farmácia Popular fornece medicamentos gratuitamente ou com até 90% de desconto à população por meio de parceria com farmácias particulares.
O programa atende mais de 20 milhões de brasileiros. O corte de recursos consta no projeto de lei do Orçamento de 2023, enviado ao Congresso no fim de agosto.
A divulgação dos cortes gerou mal-estar na campanha à reeleição de Bolsonaro. Integrantes do governo, porém, avaliam que não há tempo hábil para enviar mensagem ao Congresso modificando o Orçamento antes da eleição.
Bolsonaro afirmou ontem que o Congresso vai reavaliar a situação e que, caso não seja possível, a questão será acertada “no ano que vem”.
— Ninguém será prejudicado em nosso governo, temos recursos porque não roubamos. Tem dinheiro sobrando para atender a tudo isso. E (o programa) será refeito agora pelo Parlamento brasileiro , e se não for possível, nós acertaremos essa questão no ano que vem. Ninguém precisa ficar preocupado — afirmou à CNN Brasil, durante motociata em Natal.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, na véspera, disse que há “desencaixe temporário” de recursos.
A redução de recursos afetaria o acesso da população de baixa renda a 13 tipos diferentes de medicamentos usados no tratamento de diabetes, hipertensão e asma, além de restringir a distribuição de fralda geriátrica. Os remédios com desconto são para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, osteoporose e glaucoma, além de anticoncepcionais e fraldas geriátricas.
Há duas modalidades do programa. O orçamento voltado a remédios 100% gratuitos foi cortado em R$ 2 bilhões na proposta de Orçamento de 2023, para R$ 841 milhões. Já a modalidade que fornece remédios com até 90% de desconto foi reduzida de R$ 444,9 milhões para R$ 176,7 milhões.
O presidente do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, explica que a iniciativa custa mensalmente em torno de R$ 5 por usuário ao governo federal, um investimento que evita gastos maiores com internações e possíveis tratamentos de reabilitação, além da questão social e humanitária:
— É muito mais barato tratar hipertensão ou diabetes do que ter que pagar uma aposentadoria por invalidez. A pessoa deixa de ser um contribuinte do Estado e passa a ser um usuário dele. Tem que alertar a população, os deputados e o governo federal de que desidratar esse programa é um tiro no pé. Sai mais caro para a sociedade brasileira.
Na visão de Mussolini, o programa não é altamente rentável para as farmácias e para sua indústria, porque o valor de referência dos medicamentos foi reduzido em duas ocasiões, mas movimenta a economia do setor dado o volume de vendas.
Impacto para estados
Estudo de Rudi Rocha, professor da FGV Saúde, mostra que somente no caso da diabetes o programa conseguiu reduzir as internações em 14%, com queda nos custos para a saúde pública de 13%.
— A queda de mortalidade e de internações é significativa. São doenças que dependem de medicamento de uso contínuo para o tratamento, ainda mais quando a população envelhece.
Para secretários de Saúde, o corte na Farmácia Popular pressionará o orçamento de estados e de municípios, que são obrigados por lei a destinar 12% e 15%, respectivamente, da arrecadação de impostos para a área de saúde. A avaliação é que o custo do SUS, que aumentou na pandemia, não cabe no teto de gastos do governo federal.
— Como a União tem teto (de gastos) e os estados e municípios possuem piso, quem passa a ter participação crescente, sem limites e onerosa, num cenário de frustração de receitas, são estados e municípios — disse Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde.
O maior impacto da queda de recursos recairá, portanto, ao atendimento na ponta, já sobrecarregado em estados e em municípios. São esses entes os responsáveis por gerenciar cerca de 98% dos leitos de média e alta complexidade no Brasil.
— É inaceitável qualquer tipo de corte no programa. Temos certeza de que, junto com o relator do Orçamento, vamos recompor a condição orçamentária deste projeto — disse o deputado federal Luizinho (PP-RJ), que é médico e de partido da base do governo.
Procurado, o Ministério da Saúde não comentou.