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terça-feira, 25/11/2025




Uso errado de zolpidem vira problema de saúde

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CLAUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O uso incorreto do zolpidem, um dos remédios mais usados para tratar a insônia, virou um sério problema de saúde pública no Brasil. Isso porque o número de pessoas que se tornam dependentes, abusam do medicamento e enfrentam crises ao parar de usá-lo tem aumentado muito.

Este alerta vem de uma nova diretriz médica publicada pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN), que é o primeiro estudo brasileiro sobre o abuso, a dependência e o uso seguro dessas substâncias, que também incluem a zopiclona e a eszopiclona.

O documento foi feito por 15 especialistas das universidades USP, Unifesp, Unicamp, UFPE e UFMG. Eles notaram que, principalmente depois da pandemia, mais pessoas têm apresentado dependência e efeitos negativos ligados ao zolpidem.

Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), as vendas do remédio subiram de 13,2 milhões de caixas em 2018 para quase 22 milhões em 2023. Porém, com as novas regras em 2024, como a necessidade de receita azul e tarja preta, as vendas caíram para 15,98 milhões de caixas em 2024 e 6,89 milhões no primeiro semestre deste ano.

Mesmo assim, os especialistas afirmam que essas medidas têm pouco efeito para quem já é dependente, pois muitos obtêm o remédio por receitas falsas ou pela internet, onde o comércio é ilegal. A Anvisa está investigando essas fontes e combatendo propagandas online.

Uma recomendação importante da nova diretriz é a prescrição com data de fim: o médico deve informar desde o início que o uso será temporário e que o paciente será acompanhado para reduzir e parar o medicamento. Como diz o neurologista Alan Eckeli, professor da USP e um dos autores do estudo: “O plano para parar o remédio começa no primeiro dia”.

O crescimento desse problema parece ser algo do Brasil. Em encontros médicos internacionais, especialistas da Europa, América do Norte e Ásia dizem que não enfrentam casos assim, pois lá o controle da prescrição e venda é mais rigoroso.

“Aqui, as receitas aumentaram rápido, muitas vezes dadas por profissionais sem conhecimento específico em medicina do sono, focando apenas no alívio do sintoma e não no diagnóstico completo da insônia”, explica.

As chamadas drogas Z, lançadas nos anos 1990, foram vistas como opção mais segura do que os benzodiazepínicos para tratar insônia ocasional sem deixar a pessoa sonolenta no dia seguinte. No entanto, evidências atuais mostram que elas também podem causar dependência química, crises ao parar de usar e efeitos colaterais graves, como sonambulismo, dirigir dormindo e delírios.

O zolpidem age rápido e seu efeito dura pouco, cerca de quatro horas. Esse efeito rápido favorece o desenvolvimento da tolerância, causando aumento das doses e maior risco de efeitos ruins.

Alan Eckeli fala: “Atendemos pacientes que tomam de 7 a 10 comprimidos por dia e outros que usam centenas diariamente, o que mostra dependência total, parecida com outras drogas”.

Ele também destaca relatos de comportamentos impulsivos e perda de memória. “Vimos pacientes que fizeram grandes compras de viagens, animais e motos durante episódios em que não lembram o que fizeram”, conta.

O ator João Vicente, do grupo Porta dos Fundos, contou que, sob o efeito do zolpidem, comprou coisas incomuns como pedras de rio e uma espada ninja. Ele teve dependência e está em tratamento para parar o uso.

Nas redes sociais, usuários falam sobre compras impulsivas e ações estranhas. Mesmo que alguns casos pareçam engraçados, muitos sofreram perdas graves no trabalho e nos relacionamentos.

Parar o remédio de uma vez só pode ser perigoso e causar convulsões, ansiedade forte, insônia pior e até ideias suicidas. Por isso, deve ser feito com cuidado e acompanhamento médico, às vezes com internação.

O psiquiatra Jair Mari, da Unifesp, comenta que o médico pode substituir o zolpidem por outro remédio com menos risco de abuso para ajudar na retirada.

Alan Eckeli conta casos de pacientes que tiveram convulsões e até paradas cardíacas após parar o remédio abruptamente, mostrando a gravidade da dependência.

Alguns pacientes também usam o zolpidem durante o dia para se sentir mais relaxados e desinibidos. “Doses elevadas têm efeito ansiolítico”, explica Alan Eckeli.

É o caso da advogada Ana Lúcia, que começou usando 10 mg para insônia em 2020, mas aumentou a dose por conta própria e passou a usar também para ansiedade no trabalho. Ela sente conforto com o remédio e tenta parar desde janeiro, mas tem recaídas.

O psiquiatra Marcus Zanetti, da Faculdade Sírio-Libanês, percebe que o uso abusivo e a dependência aumentaram com as versões sublingual e em spray do remédio, já que os pacientes dizem sentir falta do gosto do medicamento.

André Negrão, psiquiatra do HC e autor da diretriz, observa que o controle mais rígido na prescrição reduziu o uso indiscriminado, mas ainda há muitos pacientes antigos em tratamento. Ele também fala que o aumento de preço no mercado ilegal diminuiu o número de novos dependentes.

Os especialistas concordam que o zolpidem é seguro e eficaz se usado corretamente, com avaliação médica completa e acompanhamento.

A diretriz da ABN destaca que o tratamento mais indicado para insônia é a terapia cognitivo-comportamental, que ensina bons hábitos de sono e como lidar com pensamentos ansiosos. Esse método é melhor para o longo prazo porque trata as causas, não só os sintomas.




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