Em meio a confrontos militares no Caribe e acusações contra o presidente colombiano Gustavo Petro, o ex-presidente norte-americano Donald Trump volta seu foco para a América Latina, visando reconstruir a influência dos Estados Unidos no cenário internacional. Essa nova estratégia de Washington acontece enquanto o país enfrenta uma crise interna de liderança e tenta conter o avanço econômico e diplomático da China.
Os Estados Unidos enfrentam hoje duas crises principais: uma doméstica, provocada pela divisão política interna, e outra externa, marcada pela dificuldade em manter sua influência global. Nesse contexto, Trump recorre à América Latina para tentar reorganizar seu poder.
Ofensiva no Caribe e pressão regional
A recente intensificação das ações teve como foco o Caribe. Na semana passada, Trump acusou o presidente colombiano Gustavo Petro de envolvimento com o tráfico de drogas e anunciou a suspensão de ajuda financeira dos EUA à Colômbia.
No mesmo dia, o secretário de Defesa norte-americano, Pete Hegseth, confirmou um ataque militar contra uma embarcação colombiana supostamente ligada ao grupo guerrilheiro ELN — considerado pelos EUA uma organização terrorista. Segundo o Pentágono, o barco carregava grandes quantidades de drogas, embora provas concretas não tenham sido apresentadas.
Petro respondeu acusando os EUA de violar a soberania colombiana e declarou que um pescador civil foi morto durante a operação militar dos norte-americanos. Na terça-feira (21/10), o colombiano chegou a acusar Trump de planejar um golpe de Estado contra seu governo.
Para o historiador Roberto Moll, da Universidade Federal Fluminense (UFF), esse movimento de Trump deve ser entendido em um contexto mais amplo. “Para justificar a intervenção e exploração da América Latina, o governo recuperou a ‘Guerra contra as Drogas’ como uma justificativa moral, criando a narrativa de que o problema do consumo de drogas dos EUA é responsabilidade dos latino-americanos”, explica.
Interesses econômicos
A estratégia de Trump reúne pressão militar, chantagem econômica e negociações seletivas com governantes locais. Além da Colômbia, o ex-presidente aumentou a pressão sobre a Venezuela, impôs tarifas ao Brasil e anunciou apoio financeiro à Argentina, onde aposta no alinhamento com Javier Milei.
De acordo com Moll, essa política externa atende a diversos interesses internos. “O avanço de Trump na América Latina visa abrir caminho para investimentos transnacionais garantidos pelos EUA, principalmente na exploração de recursos naturais e mão de obra barata. A região possui reservas importantes de terras raras e petróleo, essenciais para o desenvolvimento tecnológico acelerado”, analisa.
Disputa com a China e impacto para o Brasil
A presença chinesa na América Latina é um fator crucial. Nos últimos vinte anos, Pequim ampliou investimentos em infraestrutura, energia e mineração, setores anteriormente dominados por Washington.
“A China compete com os Estados Unidos como centro de articulação do capital transnacional, oferecendo um projeto alternativo ao liberalismo”, comenta Moll. “Dessa forma, Trump tenta afastar Pequim de setores estratégicos como o acesso a terras raras e petróleo em condições vantajosas.”
No contexto latino-americano, o Brasil ocupa uma posição delicada: enfrenta tarifas impostas pelos EUA e, simultaneamente, a tentativa norte-americana de garantir apoio político e expandir a atuação das grandes empresas de tecnologia no país.
Segundo o historiador, o custo político de cada decisão é elevado: apoiar a Venezuela representaria uma escalada nas tensões com Washington, enquanto apoiar os EUA poderia significar conivência com uma intervenção na soberania de um país vizinho.
“Se o Brasil não agir, será visto como uma liderança frágil. Se apoiar os Estados Unidos, será percebido como cúmplice de uma agressão internacional”, avalia. “O mais sensato é ampliar parcerias internacionais e atuar como mediador, respeitando a soberania venezuelana.”
Trump busca restaurar a hegemonia controlando a narrativa
Ao adotar uma política externa agressiva, combinada a um discurso moralista e à defesa de interesses econômicos, Trump busca reagir à crise que afeta o centro do poder dos EUA.
Os Estados Unidos já completaram a quarta semana consecutiva de paralisação governamental (shutdown), tornando essa a terceira mais longa da história do país.
A estratégia vai além da retórica contra o narcotráfico e reflete a tentativa de restabelecer a liderança interna e externa dos Estados Unidos, gerando conflitos entre aliados que defendem intervenções e investimentos e a população que rejeita os custos dessas ações.
“De um lado, há aliados favoráveis a intervenções; de outro, uma base trabalhadora empobrecida que rejeita os gastos. A América Latina é o caminho mais simples para equilibrar essas tensões”, finaliza Moll.