Igor Gielow
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O acordo de cessar-fogo entre Israel e Irã entrou em vigor na madrugada de terça-feira (24), mas já demonstra fragilidade. As duas nações rivais se acusam mutuamente de descumprimento da trégua, anunciada por Donald Trump no dia anterior, tendo realizado ataques retaliatórios. O presidente dos EUA declarou que ambos os lados violaram o acordo.
A instabilidade do cessar-fogo era esperada, e apenas as próximas horas indicarão se os conflitos são meros episódios naturais de um processo tenso ou o retorno das hostilidades intensas, desencadeadas desde o dia 13 por Israel.
Trump expressou descontentamento com os dois lados, dizendo: “Eu não estou feliz com o Irã, não estou feliz com Israel”. Sem maiores explicações, ele seguiu para a cúpula da OTAN na Holanda, onde planejava se apresentar como pacificador.
Na véspera do início do cessar-fogo, o presidente pediu respeito ao acordo em sua rede social Truth Social. Oficialmente, Israel e Irã aceitaram o pacto americano.
Antes de anunciar a trégua, Trump já havia se afastado do conflito. No sábado (21), um ataque dos bombardeiros B-2 destruiu três importantes instalações nucleares iranianas. A ação gerou tensão global, temendo um conflito mais amplo.
Em resposta, o Irã lançou 14 mísseis contra a principal base dos EUA no Oriente Médio, localizada no Catar, mas esse ataque foi simbólico, com notificação prévia a Washington e Doha, indicando caráter propagandístico interno do regime iraniano.
Trump se declarou satisfeito, agradeceu o Irã e pediu o fim das hostilidades, incluindo um apelo ao aliado israelense Binyamin Netanyahu. Duas horas depois, foi oficializado o cessar-fogo com períodos de 12 horas de pausa alternada entre Teerã e Tel Aviv, com a esperança de que isso encerrasse a guerra.
Entretanto, antes do início da trégua, um ataque iraniano matou quatro pessoas em Beersheba, no sul de Israel. Após o cessar-fogo, Israel registrou o disparo de dois mísseis iranianos, que ativaram os alarmes no norte do país.
Negando envolvimento nos lançamentos, o governo iraniano viu o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, ordenar retaliações, incluindo ataques não apenas a alvos militares, mas também a setores do regime iraniano. O Irã reportou três ataques israelenses realizados às 9h locais, mas Israel não confirmou.
As acusações mútuas devem continuar, e só o desenrolar do dia mostrará se haverá algum avanço na trégua além da desconfiança. O Catar, envolvido no conflito, reclamou das ações do Irã, e o presidente Masoud Pezeshkian se desculpou com o emir Tamim bin Hamad al-Thani.
O governo do Catar indicou que há possibilidade de avançar um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza, que tenta mediar em parceria com o Egito. A guerra contra o Hamas palestino, iniciada com o ataque terrorista maciço de 7 de outubro de 2023, foi o estopim dos diversos conflitos na região, incluindo o ataque de Israel ao Irã.
As razões fundamentais do confronto permanecem incertas. Embora o Irã tenha sofrido danos em suas instalações nucleares, os 400 kg de urânio enriquecido a 60% que a ONU aponta como estando sob controle dos aiatolás continuam seguros.
Mesmo com as perdas das ultracentrífugas nos locais de Fordow, Natanz e Isfahan, essenciais para aumentar o enriquecimento para 80% necessário a ogivas nucleares, o Irã pode possuir outros equipamentos e ainda é possível a criação de bombas sujas que espalham radiação.
Trump atualmente minimiza esses riscos, focado na eliminação do programa nuclear iraniano. Por outro lado, o presidente francês Emmanuel Macron afirmou nesta terça que o tema ainda está sujeito a negociações, que já ocorriam entre EUA e Irã antes da guerra.
O conflito recente causou mais de 450 mortes iranianas e 28 israelenses, com milhares de feridos e deslocados internos. Em Israel, a destruição em certas áreas é inédita.
A trégua de Trump foi planejada para que todos os lados possam reivindicar vitória, porém o Irã sente-se derrotado militarmente. Israel perdeu capacidades de defesa antiaérea e encontra-se vulnerável a ataques aéreos.
O arsenal balístico iraniano de médio e longo alcance, inicialmente estimado em 2.000 mísseis, teve seus sistemas de lançamento severamente danificados pelos bombardeios. O número de mísseis disparados nas retaliações cairam de 220 para 22 nas últimas ofensivas registradas.
Apesar disso, o Irã mantém capacidade de disrupção no Golfo Pérsico e seu arsenal de mísseis de curto alcance, mas sua força aérea está praticamente inoperante. O acordo com a Rússia prevê a entrega de caças e sistemas de defesa ao Irã, mas seu progresso é incerto.
Na segunda-feira (23), o chanceler iraniano Abbas Araghchi buscou apoio de Vladimir Putin, que ofereceu apenas palavras de incentivo conforme reafirmado pelo porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. A Rússia mantém uma posição que parece suficiente, considerando a atual guerra na Ucrânia, na qual a boa vontade de Trump é necessária.