O planeta acompanha com preocupação os movimentos de Moscou e Washington, que se assemelham a ações da Guerra Fria. Em poucos dias, Vladimir Putin e Donald Trump intensificaram sua retórica sobre armas nucleares, tentando reforçar suas forças militares em um cenário global instável.
Enquanto o líder russo apresentou drones nucleares e mísseis considerados “invencíveis” recentemente, o presidente americano autorizou a retomada de testes nucleares nos Estados Unidos, algo que não ocorria há mais de 30 anos. Trump afirmou que essa medida visa “igualar as condições” com a Rússia e a China, que estariam atualizando seus arsenais nucleares.
O presidente americano escreveu nas redes sociais que, devido a testes de armamentos por outros países, ordenou ao Departamento de Defesa que reinicie os testes nucleares para manter a paridade.
Horas antes da declaração de Trump, Putin celebrou o sucesso de um novo teste do Poseidon, um drone submarino movido a energia nuclear que pode causar tsunamis radioativos e atingir áreas costeiras dos adversários.
Putin disse que essa arma é superior ao míssil balístico intercontinental Sarmat, o mais potente do arsenal russo até então, destacando sua velocidade e operação em profundidades extremas, o que o torna difícil de detectar.
Com 20 metros de comprimento e pesando 100 toneladas, o Poseidon pode operar a mais de mil metros abaixo da superfície do mar, tornando-se praticamente indetectável.
Essa arma anunciada por Putin carrega tanto poder destrutivo quanto um forte simbolismo — uma mensagem direta para a Ucrânia, que continua pedindo aos Estados Unidos os mísseis de cruzeiro Tomahawk.
Após o anúncio dos EUA, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que a Rússia irá reagir de acordo com a lei se os Estados Unidos abandonarem a moratória de testes nucleares.
“Os Estados Unidos são um país soberano, mas quero lembrar as palavras de Vladimir Putin: se alguém se afastar da moratória, a Rússia responderá conforme a situação”, afirmou Peskov.
Reacendimento da corrida armamentista
O anúncio dos EUA marca o fim de mais de 30 anos de política de contenção nuclear. O último teste nuclear americano havia ocorrido em 1992, no deserto de Nevada. Desde então, havia uma moratória informal baseada no Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares (CTBT), assinado em 1996, mas não ratificado por Washington.
Moscou, que tinha ratificado o CTBT em 2000, revogou essa decisão em 2023, alinhando-se aos Estados Unidos. Dessa forma, a estabilidade global volta a depender de acordos frágeis, como o New START de 2010, que limita o número de ogivas estratégicas em 1.550 por país e expira em fevereiro de 2026.
Durante o Fórum Valdai, Putin questionou a renovação do tratado, afirmando que, se os Estados Unidos não quiserem estendê-lo, a Rússia também não deseja, ressaltando a confiança em seu escudo nuclear.
Sob a sombra dos mísseis Tomahawk
Volodymyr Zelensky pediu ao presidente americano o envio dos mísseis Tomahawk para fortalecer a defesa da Ucrânia contra a Rússia. Essas armas são de longo alcance, alta precisão e difíceis de serem detectadas pelos radares.
Segundo Zelensky, Moscou teme essa capacidade.
As negociações sobre o fornecimento dos Tomahawk estavam em andamento, e o presidente ucraniano chegou a se reunir com Donald Trump. Um dia antes do encontro, Vladimir Putin telefonou para o presidente americano, que então adotou uma postura mais cautelosa sobre o envio das armas.
Após a reunião, Trump demonstrou dúvida sobre a decisão, mas a mídia internacional informou que as conversas foram retomadas.
Putin respondeu afirmando que a reação da Rússia a um possível ataque com esses armamentos seria devastadora.
Retorno à disputa atômica
Com a Rússia e os Estados Unidos detendo cerca de 90% das ogivas nucleares do mundo, a tensão entre as superpotências reacende o receio de uma nova corrida armamentista, agora na era da hiperconectividade e dos conflitos híbridos.
O analista político e professor de história Victor Missiato, do Colégio Mackenzie, observa que essa escalada militar está inicialmente na retórica, mas já traz consequências reais.
“A corrida armamentista entre potências gera efeito cascata, como mostra o aumento dos orçamentos militares em países da União Europeia. É um sinal de alerta nessa conjuntura”, explica Missiato.
Ele destaca que o atual cenário revela uma reconfiguração do poder global. “A Guerra Fria terminou em 1991, mas o jogo de forças continua. Agora, a China é a primeira potência oriental capaz de competir com as ocidentais. É o começo de uma nova era geopolítica”, comenta.
O especialista ressalta que a nova corrida não começou recentemente, mas sim com a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. A guerra na Europa afetou outras regiões, influenciando o papel da Turquia, os interesses da China em Taiwan e a percepção de ameaça nos Estados Unidos e Europa.
“Esses eventos aumentaram a tensão, especialmente considerando que o fim da guerra na Ucrânia não ocorreu conforme esperado após as reuniões de Trump e Putin”, analisa.
Missiato também observa que o protagonismo dos EUA no cenário internacional se consolidou após a Segunda Guerra Mundial e permanece influente. “Washington esteve envolvido em grande parte dos conflitos regionais desde então, um papel que começou antes da Guerra Fria e ainda continua”, conclui.

