Este artigo foi escrito por Richardson Naves Leão, professor associado em neurociências e psicobiologia e líder do Laboratório de Neurodinâmica do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e publicado pela plataforma The Conversation Brasil.
Bebês prematuros são especialmente suscetíveis a complicações neurológicas. No Brasil, nascem cerca de 340 mil prematuros por ano, e metade desses pode apresentar alterações no desenvolvimento neurológico nos primeiros anos de vida. A asfixia perinatal, que ocorre em quatro entre mil nascimentos, agrava ainda mais essa situação, tornando crucial a detecção precoce.
Quanto mais precoce o nascimento, maior a chance de desafios relacionados ao desenvolvimento cerebral. Essas crianças frequentemente permanecem longos períodos em UTIs neonatais enfrentando convulsões, problemas motores e cognitivos, entre outras condições.
Além dos problemas imediatos como paralisia cerebral, muitos podem vir a desenvolver transtornos neurológicos como déficit de atenção e autismo. Por isso, o monitoramento neurológico rigoroso é fundamental para possibilitar diagnósticos rápidos e intervenções eficazes. No entanto, na prática clínica, diversos obstáculos técnicos e humanos dificultam essa realização.
Exames sofisticados, como o eletroencefalograma convencional, exigem equipamentos caros e profissionais especializados na interpretação, o que limita seu uso, principalmente em regiões remotas ou com poucos recursos, inviabilizando sua aplicação em larga escala.
Para superar essas limitações, lidero um projeto no Instituto do Cérebro, em Natal (RN), que criou uma nova plataforma tecnológica para esse fim. A ideia inicial foi utilizar equipamentos menos complexos para captar sinais neurológicos.
Ao tornar o equipamento mais acessível, buscou-se ampliar o monitoramento, garantindo um cuidado neurológico mais abrangente e de qualidade a prematuros, especialmente em locais com pouco acesso a especialistas.
Análise automatizada dos sinais cerebrais
A plataforma reúne sensores que captam sinais elétricos do cérebro, integrados a um sistema de vídeo com câmera térmica e sensores de movimento. Esses dados são coletados por um circuito eletrônico embarcado e transmitidos via internet sem fio (IoT), permitindo que médicos acompanhem a atividade cerebral em tempo real, mesmo à distância.
Os sensores usam eletrodos flexíveis e biocompatíveis, evitando lesões na pele, um problema comum nos equipamentos tradicionais. O protótipo é leve, ergonômico e pode ser facilmente removido durante o contato pele a pele entre bebê e mãe. Além disso, monitora temperatura, frequência cardíaca, oxigenação e movimentos atípicos, proporcionando uma visão completa do estado neurológico do bebê.
A base do sistema eletrônico utiliza amplificadores comuns, semelhantes aos de GPSs e smartphones, capazes de captar sinais cerebrais muito fracos, refletindo a atividade neural dos recém-nascidos.
Como o sistema opera
Diferente dos eletroencefalogramas convencionais, que dependem de componentes caros e arquitetura fechada, esse sistema utiliza sensores de mercado amplamente testados e com custo muito menor.
Os sinais são processados em tempo real por um circuito integrado com dados de acelerômetros, câmeras térmicas e sensores vitais. Todo esse conjunto se conecta a uma plataforma IoT, que transmite as informações por conexão sem fio para dispositivos móveis ou estações de monitoramento, possibilitando a avaliação remota por neuropediatras.
Os sensores foram pensados para uso contínuo minimizando lesões na pele, e podem ser acoplados e desacoplados facilmente para facilitar o contato materno no cuidado intensivo.
Alternativa para regiões com poucos recursos
O sistema automatiza parte da interpretação dos dados com algoritmos de inteligência artificial, que identificam padrões associados a distúrbios neurológicos, diferenciando-os de movimentos ou interferências elétricas.
A IA também corrige pequenos erros operacionais, posicionando os eletrodos de forma otimizada. Importante notar que a plataforma não pretende substituir especialistas nem o eletroencefalograma tradicional, mas oferecer uma opção básica e acessível para locais sem esses recursos.
O uso de algoritmos de código aberto permite aprimorar o reconhecimento dos sinais patológicos, reduzindo falsos positivos. Essa abordagem traz redução de custos, portabilidade, facilidade de uso e possibilidade de monitoramento remoto contínuo.
Assim, torna-se possível o acompanhamento neurológico em larga escala, inclusive em UTIs sem especialistas permanentes e em áreas remotas.
A validação clínica ocorre em colaboração com pesquisadores do Instituto do Cérebro, do Departamento de Engenharia Elétrica e da Maternidade Escola Januário Cicco, todos da UFRN, integrando pesquisa e prática médica.
Após a validação, o equipamento poderá detectar convulsões subclínicas frequentemente não percebidas em métodos convencionais, permitindo intervenções precoces e prevenindo sequelas permanentes.
Desafios para uso amplo
Apesar do avanço e potencial, a expansão do uso enfrenta barreiras burocráticas e resistência cultural. A certificação exigida pela Anvisa para dispositivos médicos, mesmo para tecnologias não invasivas, é custosa e complexa, dificultando a produção em massa.
Há também resistência à ideia de que equipamentos mais acessíveis possam oferecer diagnóstico confiável, atrasando a adoção por instituições e profissionais, mesmo quando tecnicamente comprovados.
Para superar isso, nosso grupo busca parcerias com agências de fomento, instituições científicas e empresas de saúde digital, com o objetivo de realizar estudos multicêntricos, ampliar patentes, viabilizar a produção em escala e implementar testes-piloto em hospitais públicos.
O desenvolvimento de novos materiais para eletrodos também está em andamento, em colaboração com a Universidade Federal de Juiz de Fora, visando sensores mais ergonômicos and discretos para uso contínuo, como um sensor tipo “bandaid” na testa do bebê.
A adoção massiva do monitoramento neurológico neonatal pode transformar o cuidado com prematuros e recém-nascidos em risco, ampliando o acesso ao diagnóstico precoce e promovendo intervenções eficazes mesmo em locais pouco equipados.
Incluir essa tecnologia de forma rotineira e reconhecer a importância de proteger o cérebro desde o início da vida é fundamental para garantir o desenvolvimento saudável e a formação plena de futuras gerações.