Carlos Villela
Porto Alegre, RS (FolhaPress)
O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) está conduzindo uma investigação acerca de possíveis irregularidades nos cadastros do programa estadual Universidade Gratuita, que concede bolsas de estudo a estudantes. A apuração revelou que 858 beneficiários possuem patrimônio avaliado em R$ 1 milhão ou mais, incluindo veículos de luxo, embarcações e participações significativas em empresas. Entre esses, doze estudantes possuem patrimônios que ultrapassam R$ 10 milhões.
O TCE-SC identificou inconsistências em 18.383 inscrições dos programas bolsa Universidade Gratuita e Fumdesc para o ano de 2024, o que representa aproximadamente 54% do total de 34.254 inscrições registradas pela Secretaria de Estado da Educação.
Foram detectados 4.430 casos em que a renda declarada não corresponde aos critérios estabelecidos pelos programas, e 15.281 divergências relacionadas ao patrimônio informado.
A Secretaria de Educação informou que aguarda a entrega dos dados para analisar quais irregularidades são efetivamente comprovadas.
Dentre os bens encontrados pertencentes a alguns beneficiários, destacam-se um apartamento no valor de R$ 30 milhões, um veículo Land Rover Defender avaliado em R$ 733.488,00, dois modelos Porsche 911 Carrera 4S e Porsche Boxster, avaliados em R$ 603.556,00 e R$ 547.922 respectivamente, além de duas lanchas custando R$ 155.000 e R$ 202.000, e seis jet skis cujos valores variam entre R$ 80.000 e R$ 132.000.
O relatório do TCE observa que o valor elevado dessas embarcações indica que são bens inacessíveis para a maior parte da população, devido ao custo elevado e à natureza não essencial desses ativos.
O programa Universidade Gratuita oferece bolsas integrais para cursos de graduação em instituições sem fins lucrativos de assistência social, fundações e autarquias municipais universitárias. Em contrapartida, cada estudante deve cumprir 20 horas mensais de trabalho voluntário em sua área de formação.
Já o programa Fumdesc concede bolsas parciais ou integrais para instituições mantidas por pessoas jurídicas de direito privado.
O limite de renda familiar para participação na maioria dos cursos é de até quatro salários mínimos, estendendo-se a oito salários mínimos para o curso de medicina. Embora não haja restrição explícita para o patrimônio, os bens devem ser declarados e são considerados para avaliar o nível de carência para a concessão da bolsa.
A Secretaria ressaltou que todas as inscrições serão reavaliadas, com prioridade para aquelas que apresentaram maiores discrepâncias, e que o governo estadual solicitou o apoio da Polícia Civil para proceder às investigações e encaminhamentos criminais, quando necessário.
O TCE-SC notificou oficialmente a Secretaria de Educação e o Ministério Público de Santa Catarina e está atualmente trabalhando para assegurar que a transmissão dos dados siga as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com um prazo de até 30 dias para isso. Esta semana, representantes das três instituições discutiram os próximos passos da investigação e a criação de um comitê de transparência.
O relatório também aponta que alguns estudantes possuem participação societária em empresas cujo capital social varia entre R$ 9 milhões e R$ 21 milhões, indicando a necessidade de análises minuciosas em casos específicos.
Foi identificado um estudante do curso de Direito com o maior patrimônio familiar, estimado em R$ 855,7 milhões, embora sua renda familiar mensal declarada seja de apenas R$ 3.798,92. A média do patrimônio per capita nesse grupo chega a R$ 213.930.042,50.
A maior discrepância entre patrimônio declarado e apurado é de um bolsista que declarou patrimônio zero, enquanto possuía bens avaliados em R$ 48,5 milhões. Outro caso apresenta patrimônio de R$ 47,6 milhões, sendo R$ 47,4 milhões referentes a participação em capital social, mas com apenas R$ 3,3 milhões declarados.
O Pleno do TCE-SC aprovou por unanimidade um conjunto de recomendações para aprimorar os critérios de fiscalização desses programas. Entre elas, destaca-se a recomendação de que a renda declarada não possa ser inferior ao valor mínimo vigente do Bolsa Família (atualmente R$ 600), além de regras para exclusão de pedidos de bolsas quando houver incompatibilidade entre renda e patrimônio familiar.
Também foi sugerida a revisão das regras de pontuação para obtenção das bolsas, valorizando mais fatores como inscrição no CadÚnico, estudantes com filhos entre zero e 14 anos e aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública.