NICOLA PAMPLONA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O empresário gaúcho Marcos Huff relata que, durante uma visita aos Estados Unidos em junho, iniciou conversas com três possíveis compradores para sua produção de calçados no Rio Grande do Sul, com expectativa de iniciar as entregas no final do ano.
“Desde que o presidente americano Donald Trump assumiu, houve uma procura dos clientes para diminuir a dependência da Ásia”, diz ele. A China, principal fabricante daquele continente, foi uma das primeiras a ser afetada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e outros países.
Dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) mostram que as exportações brasileiras de calçados para os Estados Unidos cresceram 13,5% no primeiro semestre, chegando a 5,8 milhões de pares, representando mais de 20% das vendas externas do setor.
Na empresa Killana, de propriedade do Huff, 25% da receita da primeira metade do ano veio de vendas para os Estados Unidos, o que levou à necessidade de contratar mais funcionários, aumentando em 10% o quadro atual de 90 empregados diretos e cerca de 250 colaboradores por meio de prestadores de serviço.
“Agora, os negócios enfrentam dificuldades. Uma tarifa de 50% torna tudo inviável”, afirma o empresário. Seu último envio para os Estados Unidos, com cerca de mil pares, ocorreu em junho e não foi afetado pela tarifa.
Huff conta que ainda tem um pequeno lote para exportar, mas já espera que o cliente peça descontos para compensar a alta tarifa, caso a decisão seja mantida. Ele não tem mais expectativas para pedidos da coleção de inverno no hemisfério norte.
“É o momento de enviar sapatos fechados e botas, mas não fechei nenhuma encomenda para a nova coleção”, explica. Sem novos contratos, teme que cortes sejam necessários. “Se as tarifas forem negociadas, consigo atrair clientes e o mercado volta a crescer. Se forem mantidas, perco os negócios, ocorrem demissões e redução da produção.”
Huff critica a postura do governo brasileiro em relação à situação: “Se não houver um diálogo rápido, não vamos melhorar as relações entre os países. É preciso acelerar as negociações para encontrar um acordo inicial”.
Ele teme que, mesmo com revisões nas tarifas, os clientes que começaram a buscar fornecedores brasileiros neste ano possam voltar a comprar da Ásia. “Estávamos sendo vistos novamente como fornecedores potenciais. Se o cliente voltar para a China, perde o mercado brasileiro”.
Segundo a Abicalçados, quase 80% das empresas exportadoras do setor já relatam impactos causados pelas tarifas altas impostas por Trump, incluindo atrasos, paralisações nas negociações ou cancelamento de pedidos já em produção.
A associação estima que o cenário pode causar a perda de cerca de 8.000 empregos diretos na indústria de calçados. Considerando os empregos indiretos ao longo da cadeia produtiva, como fornecedores e varejo, o impacto pode alcançar até 20 mil postos de trabalho.