Nesta quinta-feira (22), o presidente dos EUA, Joe Biden, confirmou que não participará da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro em Brasília. A Casa Branca preferiu enviar delegação liderada pela secretária do Interior, Deb Haaland.
A notícia vem na conclusão de um ano um tanto atípico nas relações Brasil-EUA: apesar dos bons números de comércio, o ano de 2022 foi marcado pela disputa entre os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden, que explicitaram suas diferenças ideológicas publicamente. A dificuldade no alto escalão, no entanto, não impediu que as relações nas esferas de comércio e defesa seguissem seu rumo.
“Desde que Biden foi eleito, as relações entre Brasil e EUA entraram em compasso de espera”, disse o professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos (INEU) Felipe Mendonça à Sputnik Brasil.
Segundo ele, as relações só não foram interrompidas porque “os EUA consideram o Brasil um aliado estratégico, comercial e militar”. Em abril de 2022, por exemplo, o Congresso brasileiro ratificou o Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação Brasil-EUA, que visa intensificar a cooperação militar entre os dois países.
Ainda que o barco das relações bilaterais tenha sido capaz de rumar sem seus comandantes, a verdade é que a disputa entre Biden e Bolsonaro passou por momentos um tanto inusitados.
Passados dois anos, Biden deu o troco ao esboçar um apoio ao adversário de Bolsonaro durante as eleições presidenciais brasileiras, “de forma não oficial, mas deixando nas entrelinhas que havia uma preferência à chapa de Lula”, disse Mendonça.
Comércio bilateral
Dados preliminares apontam que 2022 foi um ano bastante positivo para o comércio entre EUA e Brasil. No acumulado de janeiro a novembro, o comércio bilateral atingiu marca recorde de US$ 80 bilhões (cerca de R$ 413 bilhões), um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período do ano passado.
A política externa de Bolsonaro pode ter auxiliado o bom desempenho das exportações norte-americanas para o Brasil, retirando barreiras tarifárias que dificultavam o acesso de determinados produtos dos EUA ao mercado brasileiro.
“O Brasil cedeu em muitas áreas que eram de interesse para a reeleição de Donald Trump, derrubando barreiras tarifárias a produtos oriundos de estados nos quais Trump precisava de um bom desempenho eleitoral, os chamados ‘swing states'”, nota Costa Júnior.
Por outro lado, a pauta de exportação brasileira para os EUA se destaca por ser 55% composta de produtos de valor agregado e serviços, o que foge ao padrão comercial brasileiro. Assim como o Brasil, os EUA são grandes produtores de commodities, e impõem barreiras significativas a produtos do agronegócio brasileiro.
“A pauta comercial brasileira em relação aos EUA é, paradoxalmente, de nível mais elevado do que a que temos com a China, para quem exportamos basicamente commodities”, notou Mendonça. “Mas os EUA são superavitários na sua relação comercial com o Brasil, o que é um caso raro na América Latina.”
Os EUA ainda são uma fonte significativa de investimento externo direto para o Brasil, o que faz com que “os empresariados de ambos os países tenham uma relação praticamente umbilical”, notou Mendonça.
“O Brasil tem elites dependentes [dos EUA], que historicamente optam por uma relação de servidão voluntária, se colocando com muito voluntarismo na direção da política externa norte-americana. Aí a mão encontra a luva”, declarou Costa Júnior. “As elites são subalternas e dependentes, e parecem gostar desse papel.”
Governo Lula 3
Os EUA de Biden parecem aliviados pela derrota de Bolsonaro, um aliado de Trump na América do Sul. O entusiasmo norte-americano foi evidenciado pela visita do assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, ao Brasil, no início de dezembro.
“Quando presidente eleito, Bolsonaro também recebeu o [então assessor de Segurança Nacional dos EUA] James Bolton. A diferença é que Bolsonaro recebeu o norte-americano em sua casa, a pão com leite condensado, e bateu continência para ele”, relembra Costa Júnior.
No caso de Lula, Jake Sullivan foi recebido em um hotel, para uma conversa de quase duas horas, durante a qual o convidou para comparecer à Casa Branca, ainda em 2022. Lula declinou o convite, preferindo se reunir com Biden após a sua posse.
Costa Júnior relata que Lula prefere visitar Washington quando estiver em condição de igualdade de cargos com Biden, e evitar eventual pressão do norte-americano sobre o processo de transição de governo e escolha de ministros.
De acordo com Mendonça, as relações entre Brasil e EUA devem se aprofundar em pautas de interesse comum, como meio ambiente, desigualdade racial e defesa dos direitos humanos.
“Por outro lado, Lula e Biden vão continuar discordando quando o assunto for China ou Ucrânia, que são assuntos com relevância estratégica para os EUA”, considerou Mendonça. “Mas isso é do jogo. A diferença é que o Brasil voltará a ser um dos jogadores.”
De acordo com Costa Júnior, a equipe de política externa do próximo governo tem a expectativa de que Lula vá a Washington já no primeiro trimestre de governo. De Washington o líder brasileiro deverá seguir viagem rumo à China, sinalizando a pluralidade dos contatos internacionais do Brasil.
“Teremos, sim, mudanças significativas no relacionamento bilateral […] Se inaugura uma relação de respeito, mas não mais de submissão aos EUA”, concluiu Pedro Costa Júnior.
Em 2022, o fluxo de comércio entre Brasil e EUA bateu recorde no acumulado entre janeiro e novembro, atingindo US$ 80 bilhões (cerca de R$ 413 bilhões), o número representa uma alta de 28,6% em relação ao mesmo período do ano passado, conforme informou a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia do Brasil.