Cláudia Collucci
São Paulo, SP (FolhaPress)
Pela primeira vez, a saúde ocupou posição central nas discussões climáticas da ONU e saiu da COP30, em Belém, com um plano global para adaptar o setor à crise climática. Mais do que um marco diplomático, o documento pretende orientar sistemas de saúde para serem mais resistentes. O desafio agora é colocar esse plano em ação.
Os impactos das mudanças no clima sobre a saúde são evidentes e crescentes. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que mais de 540 mil pessoas morrem anualmente por calor extremo. Eventos como enchentes, queimadas e furacões pressionam os sistemas de saúde e expõem suas fragilidades.
Entre 2030 e 2050, a crise climática poderá causar 250 mil mortes adicionais por ano devido à desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico, gerando custos anuais de até US$ 4 bilhões para os serviços de saúde, segundo a OMS.
O plano brasileiro reconhece essa situação e organiza ações para fortalecer a vigilância e o monitoramento da saúde, integrando dados ambientais e sanitários. Isso permitirá que sistemas antecipem riscos como ondas de calor, poluição do ar, alteração na qualidade da água e o aumento de doenças transmitidas por vetores, possibilitando respostas rápidas.
Outro ponto do plano é preparar os serviços e os profissionais para períodos de calor intenso, ajustando rotinas, revisando protocolos clínicos, treinando equipes para emergências climáticas e repensando a infraestrutura hospitalar.
Doenças que antes estavam limitadas a certas regiões estão se espalhando devido ao aquecimento global. O vírus oropouche, que antes estava na Amazônia, já circula em outras áreas, e a dengue avança para lugares que antes não tinham casos, como Uruguai e Itália.
No Brasil, o aumento dos casos em São Paulo nos últimos anos está ligado ao aumento da temperatura, que favorece a proliferação do mosquito Aedes aegypti, conforme destacou o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na COP.
A sustentabilidade na produção de saúde, um dos setores mais poluentes, também faz parte do plano. A ideia é incentivar o desenvolvimento de medicamentos que resistam às variações de temperatura, rever o uso de embalagens plásticas e promover o uso de energia renovável em hospitais e indústrias.
Práticas como reúso de água, instalação de painéis solares e redução de resíduos já começam a ser implementadas em alguns hospitais públicos e privados, mas ainda de maneira isolada.
O grande desafio do plano é o financiamento. Na COP, o documento recebeu apoio de mais de cem países e aportes iniciais da ordem de US$ 300 milhões de entidades como a Wellcome Trust, além de sinalização positiva do Banco Mundial e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Embora importante, esses valores são insuficientes para transformar milhares de unidades de saúde, treinar profissionais e integrar sistemas de informação em todo o país. O Adapta-SUS, versão nacional do plano, recomenda que estados e municípios incluam ações de adaptação climática em seus orçamentos.
Atualmente, não existe essa verba específica, dificultando a captação de recursos ou a alocação de fundos para infraestrutura resistente, compra de equipamentos ou formação de equipes. Sem essa integração orçamentária, os esforços podem se limitar a projetos-piloto.
Além disso, o setor privado, que é responsável por parte significativa da alta complexidade no Brasil, também precisa investir na adaptação. A crise climática não escolhe rede. Quando um desastre natural acontece, todo o sistema é afetado.
Os diagnósticos e as medidas necessárias já estão claros. Agora falta transformar compromissos em orçamentos, pilotos em políticas nacionais e doações em sistemas sustentáveis para alcançar escala.
Se os próximos passos incluírem financiamento público-privado a longo prazo, governança subnacional e avaliação rigorosa dos resultados, o plano pode oferecer proteção real para populações vulneráveis em um Brasil cada vez mais exposto ao calor, às enchentes e às doenças emergentes. Como lembrou a epidemiologista Ethel Maciel, enviada especial do Brasil à COP: “o clima mudou, e a saúde precisa mudar junto”.
