Presidente garantiu que vai “brigar” pelo aumento da faixa de isenção do imposto de renda e defendeu a proteção social de motoristas e entregadores de aplicativos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu líderes sindicais em Brasília nesta quarta-feira, 18, pela primeira vez desde que tomou posse. Em discurso para cerca de 600 sindicalistas no Salão Nobre do Palácio do Planalto, Lula anunciou a criação de um grupo de trabalho que terá a tarefa de formular a nova política de valorização do salário mínimo, promessa de campanha do petista.
O presidente também garantiu que vai “brigar” pelo aumento da faixa de isenção do imposto de renda e defendeu a atualização das regras trabalhistas para assegurar a proteção social de motoristas e entregadores de aplicativos como Uber e iFood. Lula ressaltou, no entanto, que as mudanças não podem ser feitas apenas “por vontade do presidente” — dependem de mobilização social e de negociação com o Congresso.
“Vocês sabem que o setor chamado progressista tem minoria [na Câmara]. Mas nós conseguimos construir maioria para votar a PEC [da Transição] e é possível conseguir maioria para fazer as mudanças que precisamos. Para isso, é preciso muita conversa”, disse o presidente. Ele destacou os assuntos que devem ser priorizados na área trabalhista:
Valorização do salário mínimo
Lula defendeu que o salário mínimo volte a ser reajustado de acordo não apenas com a inflação mas também com o crescimento da economia, para gerar ganho real aos trabalhadores. “A economia subiu, o povo que ganha salário mínimo vai ter um aumento equivalente ao PIB [produto interno bruto]. É isso que temos que fazer para melhorarmos esse país”, disse.
O grupo de trabalho que tratará do assunto terá 90 dias para formular a nova regra. O salário mínimo atual, de R$ 1.302, foi definido em dezembro do ano passado, no governo Bolsonaro. Durante a transição, Lula prometeu reajustá-lo para R$ 1.320, mas as centrais sindicais querem negociar um valor mais alto e uma política permanente de valorização.
A proposta está no plano de governo de Lula, que reforçou o posicionamento nesta quarta-feira. “Não adianta o PIB crescer se ele não for distribuído. Nesse país, o PIB já cresceu 14% ao ano e o trabalhador ficou mais pobre. Se o PIB cresce e fica só com o dono da empresa, quem fez o PIB crescer não ganha nada”, disse o presidente aos sindicalistas.
Durante os governos petistas, por pressão das centrais sindicais, o salário mínimo passou a ser reajustado levando em conta a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB do país dois anos antes. “Já provamos que é possível aumentar o salário mínimo acima da inflação, e o mínimo é a melhor forma da gente fazer distribuição de renda neste país”, disse Lula.
Reforma tributária e tabela do IR
No encontro com sindicalistas, Lula reforçou que vai “brigar” para atualizar a tabela do imposto de renda e isentar da cobrança pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês, como prometeu na campanha eleitoral. Atualmente, todos os brasileiros que recebem acima de R$ 1.903,98 precisam pagar o IR, faixa que não é reajustada desde 2015.
A mudança exige “muito convencimento no Congresso” e “muita organização da sociedade”, disse Lula. “Obviamente que isenção de imposto e aumento de imposto precisam de lei. A gente não pode fazer no grito, na vontade ou no microfone. A gente tem que construir, e a gente vai construir isso”, afirmou.
Lula disse que a atualização da tabela do IR é assunto de brigas com economistas do PT, já que 60% da arrecadação do país vem de quem ganha até R$ 6 mil por mês. A ideia, segundo ele, é “mudar a lógica” da cobrança: diminuir o imposto para os mais pobres e aumentar para os ricos.
“Neste país, quem paga IR de verdade é quem tem holerite, que é descontado no pagamento e não tem como não pagar. A verdade é que o pobre de hoje, que ganha R$ 3 mil, proporcionalmente paga mais do que alguém que ganha R$ 100 mil”, afirmou Lula. Quem ganha muito “recebe como dividendo, lucro, qualquer coisa para pagar pouco IR”, disse.
Lula reforçou o compromisso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de fazer uma reforma tributária no primeiro semestre do ano, mas voltou a dizer que sem mobilização social a medida não vai sair do papel. “É preciso muita discussão e é preciso que vocês aprendam a fazer muita pressão. Se não, a gente não ganha”, afirmou.
Trabalhadores por aplicativo
Sindicatos, empresários e governo devem trabalhar juntos, em um grupo de trabalho, para discutir a regulamentação do trabalho por aplicativo. É preciso “acabar com essa história de que o trabalhador de aplicativo é um microempreendedor”, disse Lula.
“Ele não é um microempreendedor, e ele percebe isso quando se machuca, quando fica doente, quando quebra a moto, quebra o carro. Começa a perceber que não tem nenhum sistema de seguridade social”, afirmou o presidente. O objetivo, segundo ele, é construir uma “nova estrutura sindical”, mais moderna, para dar conta dos novos tipos de trabalho.
“O mundo do trabalho mudou muito. O que cresceu foi o chamado trabalho avulso, por conta própria, bico. Não queremos que o trabalhador seja um eterno fazedor de bico. Queremos que tenha direitos garantidos e que ele tenha um sistema de seguridade social que o proteja no momento de desgraça”, disse Lula.
O presidente criticou iniciativas dos governos anteriores, como a criação da Carteira de Trabalho Verde e Amarela e do trabalho intermitente, duas políticas que, segundo ele, “não serviram para nada”. “Desmontaram todo o conjunto de direitos que a classe trabalhadora tinha conseguido construir”, afirmou.
Por isso, as mudanças agora devem ser feitas em construção com sindicatos, políticos e empresários, e não por medidas unilaterais do governo. “Ao invés de fazer por uma vontade do presidente da República, vamos ter que construir. Porque, se construirmos juntos, fica mais difícil desmanchar”, disse Lula.