Quem vê a aposentada Maria das Dores, 69 anos, andando calmamente no shopping, não imagina que ela tem uma história longa e silenciosa com a automedicação. Moradora de Ceilândia por quase 48 anos, ela sempre contou com a ajuda dos farmacêuticos locais para dor ou desconforto. A facilidade para comprar remédios e a ideia de que “um remédio simples não faz mal” criaram um hábito que hoje Maria sabe que é perigoso.
Maria lembra que o costume começou na juventude, com remédios para dor de cabeça, garganta e cólica. Com o tempo, passou a usar também para crises na coluna e cuidados com os filhos.
O momento mais grave foi quando ela teve herpes zóster. Sem consultar um médico, procurou ajuda na farmácia. “O farmacêutico me indicou uma pomada e outros remédios. Depois, tive paralisia facial e tomei ainda mais remédios. Quando percebi, tinha muitos comprimidos e frascos ao meu redor”, conta.
A preocupação aumentou quando o filho perguntou sobre a quantidade de remédios que ela tomava. “Hoje sei que é perigoso, mas ainda acho difícil controlar. Tenho hipertensão, que é a única doença diagnosticada, mas ao menor sintoma já corro para um remédio”.
Perigo silencioso
A história de Maria não é incomum. O Ministério da Saúde mostra que o Brasil está entre os países com maior automedicação, estimulada pela facilidade de compra, a correria do dia a dia e a crença de que alguns remédios são inofensivos.
O médico clínico e gastroenterologista do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF), Álvaro Modesto, alerta que essa prática pode causar efeitos colaterais sérios, esconder sintomas importantes e atrasar diagnósticos.
“Cada pessoa reage diferente. Um remédio que serve para um parente pode ser riskente para outro. Além disso, aliviar um sintoma não resolve o problema. Ele pode piorar ao ser escondido pela medicação sem tratar a causa”, explica.
Os riscos mais comuns incluem interações entre remédios, que anulam ou intensificam o efeito, danos no fígado e nos rins por analgésicos e anti-inflamatórios, e resistência a antibióticos pelo uso incorreto destes.
Para idosos, o risco é maior. “Com o metabolismo mais lento, os efeitos dos remédios são mais fortes. Além disso, idosos normalmente já fazem uso diário de remédios para doenças como hipertensão e diabetes, e a combinação errada pode causar tontura, quedas, confusão mental e até internações”, explica Álvaro.
O que fazer
Álvaro recomenda que ao perceber sintomas, a pessoa procure médico para avaliação. Automedicação é segura só em casos pontuais e orientados, como uso temporário de analgésicos leves ou antitérmicos.
Recomendações:
- Nunca comece remédio sem orientação médica.
- Não use indicação de vizinhos, família ou internet.
- Guarde e tome remédios só com receita atual.
- Evite misturar remédios sem avaliação.
- Faça acompanhamento médico para doenças crônicas.
Maria das Dores agora tenta mudar o hábito. Mesmo com dificuldade, ela segue as orientações médicas e reduz aos poucos a dependência dos remédios. “Estou aprendendo que nem tudo precisa de remédio. Às vezes, o que eu precisava era cuidado e atenção.”
*Nome fictício para proteger a identidade da paciente.
**Informações do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (IgesDF).

