Alemanha alerta para possibilidade de retração econômica, enquanto Brasil teme aumento do custo de matérias-primas como fertilizantes e combustível
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já alertou: a guerra na Ucrânia deve desacelerar o crescimento global em mais de 1 ponto percentual, com impactos maiores na zona do euro. Ao mesmo tempo, a inflação deverá aumentar 2,5% no mundo. “Acredito que estamos subestimando o impacto de médio prazo desta guerra”, disse Laurence Boone, economista-chefe da OCDE, à TV Bloomberg na última sexta, dia 1º. “Quanto mais a guerra durar, mais incerteza temos e mais preocupados ficamos porque a incerteza impede as compras dos consumidores e os investimentos das empresas”.
Poucos países deverão sair incólumes. A Ucrânia e a Rússia lideram setores essenciais para a economia mundial, como o de commodities. Apenas no que diz respeito à produção agrícola, a Ucrânia é responsável por 16% de todos os embarques de milho e 12% das exportações de soja. No total, o país exportou 27 bilhões de dólares em produtos agrícolas no ano passado – as vendas externas de milho somaram quase 6 bilhões de dólares, seguidas por semente de girassol (5,7 bilhões de dólares) e trigo (5,1 bilhões de dólares), segundo o departamento de agricultura dos Estados Unidos.
Desde o início do conflito, Kiev já deixou de exportar 15 milhões de toneladas de milho. “As tropas russas impedem os embarques e, além disso, portos como Mariupol estão sob o efeito de bombas”, diz Frederico Humberg, CEO da Agribrasil, uma das maiores exportadoras brasileiras de grãos.
A maior preocupação agora é em relação ao plantio da próxima safra, que deveria começar neste mês. A colheita é realizada no final do ano. Conforme a guerra se prolonga, aumentam as chances de uma anormalidade generalizada do calendário agrícola. “É pouco provável que o plantio aconteça”, diz Humberg. O risco é de uma ausência de 35 milhões de toneladas de milho do mercado internacional em 2023.
Os preços do milho e da soja, pressionada em função da redução da oferta de milho e um aumento da demanda com a retomada do pós-pandemia, já bateram o recorde dos últimos dez anos. Em março, a cotação do milho passou de 7,5 dólares, enquanto a soja chegou a 17 dólares. O trigo, produzido largamente na Ucrânia e na Rússia, também foi às alturas, sendo negociado a 14,25 dólares, outro recorde da década.
E isso é só a ponta do iceberg. A Rússia é líder mundial da exportação de fertilizantes, insumo do qual o Brasil possui grande dependência – mais de 85% dos adubos utilizados no país são importados. E, mesmo antes da guerra, o preço dos fertilizantes já havia aumentado mais de 150% no mercado internacional com a retomada da demanda. No setor energético, o barril do petróleo atingiu quase 130 dólares no início de março: a expectativa é de um semestre com valores oscilando ao redor de 108 dólares, de acordo com a consultoria Oxford Economics, bem acima dos 80 dólares do final do ano passado. “O impacto mais direto é na inflação, o que também afeta o Brasil”, diz Maurício Une, economista-chefe do Rabobank. “É preciso lembrar também que esse ano o crescimento previsto já era baixo”.
A instituição trabalha com uma expansão do PIB de 0,4% este ano, em meio a uma inflação de 6,7%. “A América do Sul está afastada do conflito e muitos áises da região vivem um processo de alta da taxa de juros, o que pode colaborar para a atração de investimento”, afirma. “Também somos grandes produtores de commodities em um momento que a Rússia e Ucrânia se tornaram grandes incógnitas”.
O risco maior para a economia brasileira, na visão do banco, é de recessão na Europa e impacto em cadeias produtivas globais com o prolongamento da guerra. A Alemanha, maior economia da Europa, acaba de cortar em mais da metade a expectativa de crescimento, que passou a 1,8% neste ano – mesmo assim, a perspectiva positiva é esperada só no segundo semestre, se os preços de insumos como petróleo e gás natural, que vêm pressionando a inflação, não subirem ainda mais. “Há possiblidade de recessão”, disse Volker Wieland, conselheiro econômico do governo alemão, na última semana.