Diante de alegações de monopólio, países endurecem legislações antitruste e preveem remuneração pela veiculação de notícias. No Brasil, Cade investiga gigante americana por exibir conteúdo de terceiros sem pagamento aos produtores
Uma busca no próprio Google pelas palavras “monopólio” e “Google”, juntas, dá bem a ideia de como a empresa gigante de tecnologia tem sido colocada na berlinda nos últimos meses. As notícias variam de “Google é processado nos Estados Unidos por abuso de monopólio” até “Europa quer combater monopólio do Google e dividir empresa em duas”. Mais algumas páginas adiante na busca, e o tema vai se repetindo: passa por Austrália, Alemanha e Brasil, fala-se em multas de valores altíssimos e em negociações para reduzir o impacto que mudanças de legislação podem provocar em Google, Facebook e outras empresas de tecnologia que lidam com informação.
Entre outros pontos, as alegações de monopólio abordam o fato de que o Google controla o buscador, a exibição de conteúdo e o sistema de publicidade, o que poderia oferecer vantagens em negociações com companhias de celulares e computadores que utilizam seus serviços.
A situação começou a ser tratada por governos e por tribunais há poucos anos. Em 2017, a União Europeia (UE) multou o Google em € 2,8 bilhões, impondo ainda medidas corretivas à companhia por favorecer seu serviço de comparação de preços de anúncios. No ano seguinte, veio uma nova multa, esta de € 4,34 bilhões, pela inclusão de seu buscador nos celulares com o sistema Android, também do Google. Em 2019, mais uma sanção foi aplicada, de € 1,49 bilhão, por práticas abusivas no segmento de publicidade on-line.
Pressão por mudanças
A partir de 2020, a pressão aumentou, e não apenas na Europa: países como Austrália e Brasil passaram a lidar com a possibilidade de mudança de legislação e com ações na Justiça e nos órgãos reguladores. Além da suspeita de monopólio, pesou o aumento da circulação de desinformação e notícias falsas na internet, um problema global que vinha influenciando eleições e teve consequências no combate à pandemia da Covid-19.
Nos EUA, o Departamento de Justiça acusou o Google de manter monopólio ilegal sobre buscas e anúncios, contando com a adesão de 11 estados. Na sequência, 46 estados e a Comissão Federal de Comércio se juntaram contra o Facebook, alegando que a compra dos aplicativos WhatsApp, em 2014, e Instagram, em 2012, afetava a livre competição.
— Google e Facebook estabeleceram um monopólio da publicidade on-line. Vendem tanto para o anunciante quanto para quem exibe a publicidade, definindo o preço nas duas pontas — alerta Pedro Doria, colunista do GLOBO que há anos cobre a movimentação das big techs.
— De uns anos para cá, gigantes digitais como Google, Apple e Microsoft têm valor na casa do trilhão de dólares. Isso traz um tremendo desequilíbrio de forças entre essas companhias e as demais com que negociam.
No fim de 2020, a UE apresentou duas propostas de regulação, mirando sobretudo em Google, Facebook, Amazon e Apple, com previsão de multas de até 10% de suas receitas globais e a possibilidade de serem desmembradas com a venda de ativos. A Alemanha propôs uma regra nacional que daria poder ao governo para regular a ação das empresas de tecnologia. O ministro da Economia alemão, Peter Altmaier, chegou a dizer que a mudança “beneficiaria milhões de consumidores ao permitir que eles avaliassem melhor as ofertas digitais e tomassem decisões sem serem influenciados”.
O caso mais emblemático, contudo, veio em fevereiro de 2021. Após meses de debates, a Austrália aprovou nova legislação antitruste, que, entre outras medidas, obriga Google e Facebook a pagarem pelas notícias exibidas em suas páginas. O Código de Negociação de Mídia australiano foi elaborado com o objetivo de ajustar o desequilíbrio de poder entre as gigantes de tecnologia e os produtores de conteúdo. A lei determina que as duas partes devem acordar a remuneração pela veiculação de notícias.
A reação foi imediata: o Facebook chegou a retirar notícias de sua plataforma na Austrália durante uma semana, mas voltou atrás, e o Google ameaçou deixar o país.
O peso da mudança na Austrália pode ser medido por um acordo firmado em janeiro por Google e agências de notícias francesas. Neste último caso, as tratativas se basearam numa diretiva de 2019 da UE, que não trata do possível impacto monopolista do Google, mas da cobrança por direitos autorais. A comparação entre valores mostra a diferença de tratamento em cada país. Na França, segundo a agência Reuters, o Google pagará US$ 76 milhões para 121 editoras ao longo de três anos. Já na Austrália, dois conglomerados de mídia vão receber juntos US$ 47 milhões em um ano.
— Com a lei australiana, o Google foi fazendo acordos com veículos de comunicação. O Facebook também. Isso faz com que, em outros países, haja a interpretação de que, se estão remunerando na Austrália, vão fazer em qualquer lugar. A negociação proposta pelas próprias companhias é melhor do que nada, mas ainda não resolve o problema. Outros acordos virão com a legislação antitruste — diz Doria.
Muitos desses acordos do Google com veículos de mídia estão sendo fechados dentro do programa Google News Showcase, mais um capítulo de uma espécie de política da boa vizinhança para justificar o uso de notícias no buscador. Ele foi anunciado em 2020, com foco inicial em Austrália, Alemanha e Brasil, justamente pelos debates que ocorriam nesses países — no caso brasileiro, a Lei das Fake News e um inquérito aberto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que investiga o Google por exibir conteúdo de terceiros, como notícias, sem pagamento aos respectivos produtores, entre eles os veículos de comunicação.
Até aqui, uma das maiores companhias a aderir ao News Showcase foi a NewsCorp, que inclui o jornal americano “The Wall Street Journal” e o inglês “The Times”, e que é de propriedade do empresário australiano Rudolph Murdoch, um conhecido crítico da atuação das
big techs.
Combate à desinformação
Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), instituição que apoia o inquérito do Cade, acredita que a decisão da Austrália pode balizar o futuro do debate no Brasil. Ele ressalta que o país precisa de legislação específica sobre a remuneração da atividade jornalística pelas plataformas de mídia.
— Houve um princípio de discussão desse assunto com a Lei das Fake News, que ainda tramita no Congresso. Foi incluído um artigo que prevê remuneração da atividade jornalística pelas plataformas com o espírito de valorizar o jornalismo, mas não informava os critérios nem a forma. Por isso, entendemos que deve haver uma legislação específica no Brasil como a que há na Austrália e começa a existir na Europa. Tem que ter um projeto de lei — diz Rech. — Já identificamos disposição no Congresso de enfrentar essa questão que não é só a busca pela valorização dos veículos de comunicação. Vai além: é um combate à desinformação, de uma forma democrática e saudável.
Segundo Rech, é importante que o Cade estabeleça bases de negociações simétricas entre veículos de comunicação e a gigante da internet. Ele lembra que o Google tem 95% de participação no mercado de buscas:
— Imagina para um jornal pequeno, do interior, negociar com o Google, que tem uma posição monopolista e hegemônica? Não há possibilidade de um veículo de comunicação ou qualquer outra atividade comercial existir no mundo digital sem estar no Google.
Os detalhes dos acordos do News Showcase não são revelados, mas comunicado do Google fala no investimento de US$ 1 bilhão nos próximos três anos e diz que já aderiram “mais de 450 publicações em uma dúzia de países, como Reino Unido, Alemanha, Brasil, Argentina, Canadá e Japão”.
A iniciativa foi lançada oficialmente no Brasil ontem, traduzida para Destaques e com a participação de mais de 30 publicações nacionais, regionais e locais de 17 estados, mais o Distrito Federal. Participam jornais como “Folha de S.Paulo” e “Estado de S. Paulo”, revistas como “Veja” e “piauí” e portais como “Uol” e “R7”. O GLOBO e outros veículos do Grupo Globo, porém, decidiram não assinar o acordo.
“O Grupo Globo, que publica o jornal O GLOBO, optou por não aderir ao Showcase por entender que as negociações sobre direitos na busca são assimétricas sem uma regulação ampla e assertiva”, explicou o Grupo Globo, em nota.
Tráfego de qualidade
O Google, por sua vez, explica que o projeto “estabelece um modelo de pagamento a veículos de notícias pelo licenciamento de conteúdo” e que “os parceiros se beneficiam de um tráfego de alta qualidade, atraem assinantes em potencial e podem exercer sua própria voz editorial”.
Diz a empresa, em nota: “Apoiamos o futuro do jornalismo e seus profissionais gerando tráfego, desenvolvendo ferramentas que ajudam a criar novos modelos de negócios e realizando treinamentos, bem como por meio de fundos e parcerias sólidas com toda a indústria de notícias”.
Sobre as ações antitruste ao redor do mundo, a empresa também afirmou ao GLOBO que tem colaborado com as autoridades para responder dúvidas e questionamentos. O Google lembrou, ainda, de ações anteriores de prática anticompetitiva que foram arquivadas pelo Cade, como uma de que a companhia privilegiaria seus sites no buscador e outra sobre cópia de conteúdo de sites concorrentes.
“Acreditamos firmemente que nossos produtos e serviços são inovadores, legítimos e benéficos para os usuários. Por exemplo, no Brasil, e após detalhadas investigações em três casos diferentes, o Cade concluiu em 2019 que o Google não violou a legislação brasileira”, ressaltou o Google.
Também procurado pelo GLOBO, o Facebook enviou comunicado emitido no dia 24 de fevereiro sobre a decisão na Austrália. Nele, a companhia diz haver um mal-entendido sobre a relação entre a rede social e os publishers: “são os próprios veículos de notícias que optam por compartilhar suas histórias nas redes sociais ou torná-las disponíveis para serem compartilhadas por outras pessoas, porque obtêm valor com isso”. Diz ainda que as alegações de que “rouba ou se aproveita do jornalismo para seu próprio benefício sempre foram e continuam sendo falsas”.
Por fim, o Facebook admite que errou na Austrália ao bloquear os conteúdos no primeiro momento e afirma estar disposto a fazer parceria com editores de conteúdo, reconhecendo ainda a importância do jornalismo de qualidade.